Conheça relatos que comprovam que um mártir acreditou nas aparições de Nossa Senhora das Graças em Cimbres.
Neste artigo, Ana Lígia Lira, mestranda em História pela UFRPE, autora do livro “O Diário do Silêncio”, transmite-nos o resultado de suas pesquisas a respeito de uma mística e de um mártir que creram nas aparições de Cimbres.
O artigo foi dividido em duas partes. Nesta segunda parte, conheceremos o parecer de Friedrich Ritter von Lama a respeito das aparições de Nossa Senhora das Graças em Cimbres, na atual cidade de Pesqueira, em Pernambuco. Saberemos também o que Nossa Senhora disse a respeito desse homem nas aparições de Cimbres e qual foi o seu fim. A seguir, leia a segunda parte do artigo de Ana Lígia:
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A carta com as conclusões de von Lama sobre as aparições de Cimbres
Demonstrando grande interesse pelo caso, von Lama inicia uma intensa troca de correspondências com Kehrle. Eis uma das mais interessantes:
Gauting, Bayern, 9. April 1937.
Toto ex corde (de todo o coração)
Quero cumprir o vosso desejo e oferecer todo o auxílio possível e, por isto, antes de tudo, vos agradeço de ter-vos dirigido à minha pessoa, tendo, assim, ocasião de contribuir com alguma coisa para a glória da amada Mãe de Deus, à qual tanto devo e ultimamente me deu uma nova prova de seu maternal cuidado. Ainda me congratulo convosco em ser o escolhido pelo Bispo Diocesano para este trabalho.
Nestes casos devem ser sempre observados os fenômenos em sua totalidade e no seu conjunto orgânico. Na realidade, não se deveria esperar que se repetissem sempre os mesmos erros velhos que demonstram apenas falta de experiência e de conhecimento dos casos anteriores. Relativamente ao vosso desejo de indagar em Konnersreuth sobre o caso, desde já me declaro pronto. Como o Senhor Bispo muito bem diz, trará uma resposta de Thereza Neumann, não uma certeza absoluta, mas uma certeza relativa. Estou contente em notar que neste ponto não é preciso uma explicação, mas sim estamos chegando de pleno acordo. Assim mesmo peço permissão de dar-vos explicações sobre algumas dúvidas. Bem compreendeis que eu, com meus 61 anos, já não mais sou inexperiente e acho não ser falta de modéstia o intrometer-me no caso.
Em todos os casos verdadeiros, devemos antes de tudo ter na memória que Deus em todos esses casos nunca dá uma certeza de cem por cento, portanto, uma certeza matemática das provas, mas sim exige de nós homens também a fé… Fica, pois, sempre um resto não provado sobre o qual Deus se nega a dar provas. Nestas aparições também não é (em Lourdes) a água que cura, mas esta é apenas o meio ao qual tem de juntar-se a fé. Se, pois, no vosso caso, a aparição respondeu à pergunta: se a água curaria as moléstias – quem tiver fé encontra nesta resposta já uma prova não desprezível, porque corresponde à doutrina da Igreja (se tivésseis fé, poderíeis transferir montanhas). Nisto se trata da fé no poder suplicante da Mãe de Deus e por último na onipotência de Deus. Tive muitos embaraços com o demônio, principalmente nos casos, hoje tão frequentes, de possessos, porém eu vos afirmo: já conheço bastante esta firma a qual nunca confirma a fé neste poder suplicante que esmagou a cabeça da serpente à qual chama: grande Dama. Deus concede provas em escala tão larga que a razão humana indubitavelmente se pode convencer. Isto vale principalmente em relação aos órgãos eclesiásticos, portanto ao Exmo. Senhor Bispo ou àqueles por este designados. Mas, quando uma vez esta medida estiver completa dadas as provas humanas possíveis, então deve-se contentar e evitar a desconfiança.
Como noto, V.Sa. teme obra diabólica. Mas tudo também não se deve atribuir ao demônio. Este não pode sair do seu couro, não pode negar a sua natureza. Antes de tudo ele não poderá abençoar (com o sinal da Redenção, a Cruz, pela qual ele foi vencido). Também ele não pode suportar a bênção sacerdotal, a qual é a benção de Cristo, mas sim, chorando se afastará. Com isso tereis meio seguro que em poucos casos se provará. Se for a Mãe de Deus, ela com riso receberá a bênção de seu Divino Filho, transmitida pelo Sacerdote. Ainda que o demônio faça e diga, tem sempre por fim último excitar no homem o orgulho, a vanglória, o levante contra Deus e nunca a humildade e submissão à Autoridade Divina, incorporada na Igreja. Ele é impertinente no seu: Non serviam (não obedecerei, não me sujeitarei). Se a aparição tivesse exigido que as crianças evitassem V. Revma. ou o Senhor Bispo, que não se dirigissem aos mesmos ou os ignorassem, então havia um “indicium” de suspeito. Examinais todos os fatos e cada um por si e tereis material bastante para um juízo completo.
Ainda mais: eu não conheço uma só aparição diabólica desta forma, onde o demônio tivesse convidado para a oração e penitência. É verdade que nos casos onde se apresenta o real-divino lá também se encosta o diabólico. Um parece pertencer ao outro e, não poucas vezes, aconteceu que incautos (também Bispos) junto com a água derramam a criança do banho, isto quer dizer: do intermédio diabólico tiraram conclusões falsas sobre todo o acontecimento declarando tudo como obra do demônio.
Examinai ainda se a aparição até agora declarou alguma inverdade. O demônio mente sempre; porém, ele é um mentiroso perigoso, porque mistura as suas mentiras com uma pequena percentagem de verdade, e que com facilidade pode causar enganos. Examinai o que a aparição declarou e prometeu e se as promessas se realizaram.
Com certeza, já examinastes as palavras a vós comunicadas do lado dogmático. Do que me comunicaram, concluir-se que nada obsta (opõe-se). Para mim bastaria já o até hoje comunicado como prova, pois sei que o demônio não pode representar o papel de Nossa Senhora tanto tempo e de um modo tão perfeito para não, em pouco tempo, desviar-se. Ela que é a “humildade personificada”, não pode ser imitada por aquele que é a soberba personificada.
Notais ainda: a aparição obedeceu ao senhor, ministro de Cristo. Ela correspondeu às suas exigências! Nisto se nota o reconhecimento da autoridade, e o reconhecimento voluntário e não o reconhecimento imposto como no exorcismo.
E agora uma petição mui de coração: não fiquei sentido com estas minhas palavras. Parece-me muito ousado que o senhor, com o fim de constatar a verdade, usou repetidamente a inverdade…
Eis minha opinião sobre as suas perguntas. O Senhor perguntou: quais seriam os castigos que virão, e a resposta foi apenas um movimento de mão; isto é compreensível, porque “os castigos não vêm incondicionalmente, mas eles estão sob condições e podem afastar-se com oração e penitência”.
De muita importância me parece a pergunta se qualquer um pode buscar a água e a resposta que não: “Para que todos tenham fé! Que deveria acreditar nas duas testemunhas, as quais tiveram a graça de poder ver e só elas puderam ver”.
Aí tendes a fé exigida, sem a qual não pode haver graça. Ainda a aparição deseja que todos se dirijam ao Sagrado Coração de Jesus e invoquem a intercessão de Maria diretamente; isto é eclesiasticamente certo para a Igreja, já há muito tempo mandado. […][1]
É notório o grande impacto que os detalhes da aparição causam no estudioso. As argumentações dele, apesar de terem sido levantadas em 1937, são validas até hoje.
O perigo anunciado nas aparições de Cimbres
Em 5 de julho de 1937, von Lama escreve ao Padre José Kherle: “[…] Vou observar os seus conselhos! Rezar e rezar muito e fazer rezar muitas pessoas e esperar e me prevenir […]”
Mais adiante, o Padre José lhe aconselharia cuidado. Era um alerta da própria Maria de Nazaré, revelado às videntes.
Ainda em 1938, von Lama, que tinha origem nobre, começou a ser perseguido e foi preso várias vezes, inclusive no campo de concentração de Dachau, e monitorado pela Gestapo[2]. Ele era acusado de lutar contra a ideologia de uma nação socialista. Ele foi torturado e morto.
Friedrich von Lama foi o principal documentarista de Therese Neumann. Foi o trabalho de von Lama, traduzido para o francês, inglês, espanhol, holandês e outras línguas que deram visibilidade à história de uma das principais místicas do nosso tempo. Além disso, ele publicou um anuário, entre 1929 e 1936, intitulado “Konnersreuther Chronik”, que registrava tudo que acontecia durante o respectivo ano sobre o assunto. É neste anuário que ele fala sobre Cimbres.
Em 1930, o autor publicou uma biografia do Papa Pio XI, por ocasião de seu jubileu de ouro sacerdotal. O fato de ser um escritor indiscutivelmente católico colocou Ritter von Lama na mira do regime nazista.
A perseguição de von Lama pelos Nazistas
A perseguição começou em 1937, quando ele foi proibido de qualquer atividade literária e jornalística. A partir de 1938, foi preso várias vezes, aprisionado por meses, inclusive no campo de concentração de Dachau, e desde então foi supervisionado pela Gestapo. Ele foi acusado de “lutar contra a ideologia do socialismo nacional”. Outro ponto de julgamento foi a lealdade à monarquia, especialmente à Casa de Habsburgo.
No início de 1944, Lama foi de novo preso por ter ouvido “Radio Vatikan” e mandado para a prisão de Stadelheim, em Munique. Ele já estava morto em 9 de fevereiro. De acordo com a declaração oficial, ele morreu de “insuficiência cardíaca”. Um médico que teve acesso à prisão disse aos parentes que Friedrich Ritter von Lama tinha vestígios claramente reconhecíveis de abuso físico e obviamente foi assassinado. O cadáver mostrou hematomas por todo o corpo e marcas de sufocamento no pescoço.
No total, Lama publicou mais de 30 livros e uma série de artigos que quase nunca eram assinados por ele. Na década de 1920 e 1930, Friedrich Ritter von Lama foi um dos jornalistas católicos mais conhecidos e mais ativos do mundo de língua alemã.
O seu nome consta no martirológio alemão, livro da Conferência Episcopal Alemã publicado em memória aos mártires do século XX, editado pelo Monsenhor Helmut Moll.
Leia a primeira parte do artigo: A mística que acreditou nas aparições de Cimbres.
Links relacionados:
TODO DE MARIA. A mídia de 1917 e as aparições de Fátima.
TODO DE MARIA. Ana Lígia Lira e “O Diário do Silêncio”.
TODO DE MARIA. Maria chorou comigo.
Referência e nota:
[1] Paiva, Ione Maria Cavalcanti. Aqui o céu encontra-se com a terra. 9ª edição. Pag. 79. Maceió, Serviços Gráficos de Alagoas S.A.
[2] Polícia secreta da Alemanha nazista.