Sonhos proféticos e vocação de Dom Bosco

Os primeiros sonhos proféticos de Dom Bosco marcaram sua vida, sua vocação e sua missão junto aos jovens.

São João Bosco, pai e mestre da juventude, viveu inúmeras experiências místicas, algumas delas em sonhos proféticos, que o ajudaram a descobrir a sua vocação e a sua missão. João Melchior Bosco nasceu no dia 16 de Agosto de 1815, no município de Castelnuovo d’Asti, hoje Castelnuovo Don Bosco, na diocese de Turim, que fica no norte da Itália. Seu pai chamava-se Francisco Luís Bosco (1784-1817) e sua mãe, Margarida Occhiena (1788-1856). Dom Bosco nasceu menos de dois meses após a batalha de Waterloo, que foi a última batalha de Napoleão Bonaparte, então Imperador da França. Napoleão foi vencido nesta batalha histórica, e consequentemente destronado, pelos exércitos de outros países, como Inglaterra, Rússia, Prússia e Áustria. Por causa desse conflito, que repercutiu por toda a Europa, e de problemas de ordem política e econômica, a Itália vivia um tempo de pobreza, carestia e falta de emprego.

Os primeiros sonhos proféticos de Dom Bosco marcaram sua vida, sua vocação e sua missão junto aos jovens.

São João Bosco

Neste cenário desolador, nasceu e cresceu o pequeno João Bosco. Apesar disso, a noite chegava calma e serena nas colinas e vales da Itália, onde viviam os modestos camponeses: João, seus pais, sua avó paterna, Margarida Zucca, e seus dois irmãos mais velhos: Antônio e José Luís. Seu pai Francisco faleceu quando João tinha apenas dois anos de idade. Aos nove anos, o menino já trabalhava no campo, pois aqueles eram tempos difíceis. Em Maio de 1825, depois de um dia exaustivo de trabalho, que para Joãozinho Bosco fora também um dia de brincadeiras, ele agora dormia tranquilamente. No entanto, essa noite ficaria marcada pelo resto de sua vida, pois João teve um sonho profético, que lhe revelou sua vocação e missão neste mundo.

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O sonho profético de Dom Bosco aos nove anos

Este sonho profético, que Dom Bosco teve aos nove anos de idade, foi contado por ele próprio: “Naquela idade tive um sonho, um sonho que me ficou profundamente gravado por toda a vida. No sonho, pareceu-me estar perto de casa, numa área bastante espaçosa, onde brincava uma multidão de meninos. Alguns riam, outros jogavam, não poucos blasfemavam. Ao ouvir aquelas blasfêmias, lancei-me imediatamente no meio deles, tentando, com socos e palavras, fazê-los calar.

Nesse momento, apareceu-me um Homem venerando e nobremente vestido [Jesus Cristo]. Um manto branco cobria-lhe toda a pessoa e o seu rosto era tão luminoso que eu não o podia fixar. Chamou-me pelo nome e ordenou que me pusesse à frente daqueles meninos, acrescentando estas palavras:

– Não com pancadas, mas com a mansidão e a caridade é que Você deverá ganhar estes seus amigos. Ponha-se logo a instruí-los sobre a feiura do pecado e a preciosidade da virtude.

Confuso e assustado, respondi que eu era um menino pobre e ignorante, incapaz de lhes falar de religião. Naquele instante os meninos, parando de brigar e gritar, juntaram-se ao redor do Personagem que falava. Quase sem saber o que dizia, perguntei:

– Quem é o senhor que me ordena coisas impossíveis?

– Justamente porque parecem impossíveis é que V. deve torná-las possíveis com a obediência e a aquisição da ciência.

– Onde e com que meios posso adquirir a ciência?

– Eu lhe darei a Mestra [Nossa Senhora]: sob a sua orientação poderá tornar-se sábio. Mas, sem ela tudo se torna estultice.

– Mas, quem é o senhor que me fala deste modo?

– Eu sou o filho d’Aquela que sua mãe o ensinou a saudar três vezes ao dia.

– Minha mãe me ensinou a não me juntar com aqueles que não conheço sem sua licença. Qual é o seu nome?

– O meu nome? Pergunte-o à minha Mãe.

Nesse momento, vi a seu lado uma Senhora de aspecto majestoso: vestia um manto tão resplandecente que cada ponto parecia uma fulgidíssima estrela. Percebendo-me cada vez mais confuso nas perguntas e respostas, acenou para que me aproximasse. E, tomando-me com bondade pela mão, me disse:

– Olhe!

Olhando percebi que aqueles meninos haviam fugido e em seu lugar estava uma multidão de cabritos, cães, gatos, ursos e outros animais.

– Eis o seu campo! É aí que Você deverá trabalhar. Torne-se humilde, forte, robusto: e o que agora está vendo acontecer com esses animais, Você o fará por meus filhos!

Tornei então a olhar: em vez de animais ferozes, apareceram mansos cordeirinhos que, saltitando e balindo corriam ao redor daquele Homem e daquela Mulher, como para lhes fazer festa!

Neste ponto, sempre no sonho, desatei a chorar, e pedi à Senhora que me falasse mais claro, porque não sabia o que ela queria dizer. Então a Senhora me pôs a mão na cabeça e disse:

– A seu tempo tudo compreenderás.

Depois disso, um ruído qualquer me acordou. Eu fiquei transtornado. Parecia-me ter as mãos doloridas pelos socos dados, e me queimasse o rosto pelos tapas recebidos. Além disso, aquele Personagem, aquela Mulher, as coisas ditas e ouvidas, me ocuparam de tal forma a mente que, por aquela noite, não pude mais dormir”1.

Na manhã seguinte, o pequeno João contou o sonho aos seus familiares. Estes o interpretaram de diversas formas. José, um dos seus irmãos, acha que ele será pastor de ovelhas ou caçador, já que no sonho apareciam cordeiros e animais ferozes. Antônio, o irmão mais velho, disse que será o chefe de bandidos. A avó, por sua vez, diz que em sonhos não se deve acreditar. Depois de ouvir estes, João pergunta a opinião de sua mãe Margarida, que responde:

– “Bem, filho, talvez você seja Padre, algum dia!”2

Naquela tenra idade, João percebe, na intuição de sua mãe, a sua vocação:

– “Acho que mamãe tem razão. Se quero acabar com as desavenças; ser Padre é uma boa ideia. Minha campanha vai começar agora: apresentarei números de mágica para que a turma se divirta. Isto servirá para mantê-los afastados das brigas!”3

Neste simples gesto, aparentemente quase infantil de uma criança de apenas nove anos, há um gesto grandioso e uma sabedoria escondida. Com João, aprendemos que, quando somos chamados por Deus, não podemos deixar para amanhã, para o futuro, a nossa resposta. Devemos responder sim a Deus hoje, agora, neste exato momento. Esta resposta não deve ser somente dizer sim ao projeto de Deus que se realizará no futuro, mas deve ser seguida de atitudes concretas. Temos um exemplo luminoso desta realidade na atitude da Virgem de Nazaré que, depois de dizer sim à vontade do Senhor4, partiu apressadamente para a casa de sua prima Santa Isabel5. Do mesmo modo, Joãozinho acolheu o chamado de Deus ao sacerdócio e viu nas mágicas e brincadeiras que fazia uma forma de amar, de corresponder a essa vocação, no único momento que temos poder sobre ele, que é o hoje, o agora. Pois, o ontem já passou e não podemos mudá-lo. O amanhã também não podemos mudar, pois não existe ainda. Só podemos amar Deus e corresponder à nossa vocação no momento presente, como poeticamente diz Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face: “Para amar-Te neste mundo não tenho nada mais que hoje“.

Assista vídeo de Matheu John, SDB sobre o sonho de Dom Bosco aos nove anos:

Os primeiros passos na vocação de Joãozinho

João Bosco era uma criança cativante, que divertia seus amigos para levá-los para Deus. As outras crianças ficavam maravilhadas com suas apresentações de mágica e, ao final, sempre batiam palmas e elogiavam. No entanto, seu irmão Antônio fica zangado por causa das brincadeiras e avisa a Joãozinho que terá que trabalhar, se quiser comer. Este preocupa-se com a situação, mas, mesmo assim, continua com os truques e acrobacias, para a alegria das crianças e jovens do povoado. Além de manter seus amigos longe de discussões e brigas, João os alegrava e conseguia fazê-los esquecer a fome e as dificuldades pelas quais passavam. Mais do que isso, ele mostrava as belezas da vida e dava esperança àquelas crianças.

O tempo passava e João Bosco preparava-se para a primeira comunhão. Nesse tempo, orientado por sua mamãe Margarida, ele perdoa as faltas cometidas pelos de sua casa, especialmente pela incompreensão de seu meio-irmão Antônio. Na quaresma de 1827, Margarida envia João para a catequese em sua Paróquia. A partir daquele momento, a sua intimidade com Deus crescia cada dia mais e ele maravilhava-se com a beleza da natureza. Nesse tempo, algumas frases não lhe saíam da cabeça: – “Mostra-lhes quão bela é a virtude” – “Você vai ser pastor” – “Talvez você seja Padre, algum dia”6. Todavia, em casa, a situação com seu irmão mais velho torna-se insustentável. Pois, Antônio não concorda que João queira somente estudar, sem se preocupar com o trabalho. Por isso, em Fevereiro de 1828, aconselhado por sua mãe, João sai de casa para trabalhar na casa dos Moglia, em Moncucco, onde ficará ai até Novembro de 1829. “Observando o filho que partia, mamãe Margarida o abençoa e faz uma prece, pedindo a Deus que o acompanhe, indicando o bom caminho”7. Nesse tempo, nas horas livres, João recebeu aulas do pároco Francisco Cottino (1768-1840), com grande proveito e progresso.

Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo sobre “Dom Bosco e as três alvuras da fé católica”:

Padre João Calosso, mestre e companheiro de João Bosco

Já em sua adolescência, de volta à sua casa, João Bosco conhece o Padre João Calosso. “O encontro aconteceu em novembro de 1829, após um sermão, durante o período das Missões. João diz ao Padre do seu interesse em conduzir os jovens ao caminho do bem. Satisfeito, Calosso recomenda que cultive esse pensamento e conte com ele para continuar os estudos”8. No domingo seguinte, João foi com sua mãe conversar com Padre Calosso e ficou combinado que ele daria diariamente uma aula para João. O restante do dia ele trabalharia no campo, para contentar seu irmão Antônio.

A respeito desse tempo, Dom Bosco diz nas “Memórias do Oratório”: “Coloquei-me logo nas mãos do P. Calosso. Abri-me inteiramente a ele. Fiquei sabendo assim quanto vale um guia estável, um fiel amigo da alma, que até então não tivera. […] O digno ministro de Deus me chamou um dia e me disse: Joãozinho, puseste em mim tua confiança, e não quero que isso seja inútil. Deixa, pois, esse irmão malvado, vem comigo e terás um pai amoroso. Comuniquei à mamãe o caridoso convite, e foi uma festa em casa. No mês de abril, passei a conviver com o capelão, voltando para casa somente à noitinha para dormir. O P. Calosso tornou-se um ídolo para mim”9.

Inesperadamente, em abril de 1830, o Padre Calosso sofreu um derrame cerebral fulminante e faleceu. “Com a perda do mestre e companheiro, João retorna à casa da mãe. Ele continua os estudos na escola municipal de Castelnuovo. São 20 quilômetros por dia, e é inverno. Muitas vezes vai de pés descalços, para economizar calçados. […] Certa noite, o sonho dos 9 anos volta a se repetir, João revê Nossa Senhora e os cordeiros. Foi asperamente repreendido por ter colocado esperança nos homens e não na bondade do Pai do céu, devido ao fato de até ter ficado doente, depois da morte do P. Calosso. Ao acordar, se sentirá mais confiante e corajoso para prosseguir e dirigir seu rebanho”10.

Os primeiros sonhos proféticos de Dom Bosco marcaram sua vida, sua vocação e sua missão junto aos jovens.

Nossa Senhora repreende João Bosco em sonho

Amizades profundas e duradouras de Dom Bosco

Dom Bosco fez amizades profundas e duradouras. Na festa da Maternidade de Maria Santíssima, que aconteceu no segundo domingo de outubro de 1830, São João Bosco conheceu São José Cafasso, então seminarista, que mais tarde será seu mestre e diretor espiritual. Certa vez, “João fez amizade com um jovem judeu, chamado ‘Jonas’ Jacob Levi. (1816-1870). Contrariando seu pai, este jovem hebreu preferiu ser expulso do lar a deixar a amizade de Bosco. […] João o preparou para receber o Batismo, realizado na catedral de Chieri, em 10 de Agosto de 1834, mudando o nome e sobrenome para Luís Bolmida.[…] Outro amigo especial de Bosco foi Luís Comollo. Era um garoto alegre, comportado, cumpridor de seus deveres. […] Ambos têm em mente o mesmo ideal: entrar para o seminário! Dom Bosco escreveu nas Memórias do Oratório o que lhe disse Comollo: ‘Meu amigo, tua força me espanta; lembra-te, porém, que Deus não a deu para massacrar os colegas. Ele quer que nos amemos e perdoemos, que façamos o bem a quem nos faz o mal’”11.

Em 1834, João Bosco pensava em entrar para os Franciscanos. Para tanto, chegou a se inscrever no convento de Santa Maria dos Anjos, em Turim. No entanto, João teve um sonho, no qual lhe foi dito que não deveria entrar no Convento. Então, ele se aconselhou com Cafasso, que já era Padre, seu diretor espiritual. Cafasso não concordou e aconselhou o jovem Bosco a continuar seus estudos e depois entrar no seminário: “Nada de ser frade! Deu a João coragem e otimismo, prometendo inclusive ajudá-lo materialmente”12. Aos vinte anos, terminados os estudos, João Bosco entrou no seminário e vestiu a batina, o hábito eclesiástico, no dia 25 de outubro de 1835. “Com a ajuda da mãe e dos amigos, conseguiu alcançar este grande dia. Mamãe Margarida era a mais alegre entre todos, e não cansava de agradecer a Deus e ao filho, por tamanha felicidade”13.

Assista vídeo do jornal Canção Nova Notícias, com o tema “Saiba como Dom Bosco investiu sua vida na salvação dos jovens”:

Mãe Margarida e Nossa Senhora na vida de Dom Bosco

Quando São João Bosco entrou no seminário, mamãe Margarida dirigiu estas recomendações a Dom Bosco: “João, você vestiu o hábito de sacerdote. Sinto toda a consolação que uma mãe possa sentir. Lembre-se, porém, de que não é o hábito que o dignifica, mas a virtude. Se algum dia vier a duvidar de sua vocação, não desonre este hábito. Deixe-o imediatamente. Prefiro ter um filho pobre camponês a um sacerdote que descure seus deveres. Quando você nasceu, consagrei-o a Nossa Senhora. Quando começou os estudos, recomendei-lhe que amasse a essa nossa boa Mãe. Agora, recomendo que seja todo Seu [todo de Maria]”14. Estas palavras, bem como muitos outros bons conselhos de sua querida mãe Margarida, Dom Bosco ouviu atentamente e os guardou por toda a vida. De modo particular, a devoção a Nossa Senhora, ensinada desde a infância por sua mãe, foi um traço marcante de sua vida, vocação e missão.

Há alguns anos, Padre Pascual Chávez Villanueva, SDB, então Reitor Mór dos Salesianos de Dom Bosco, comentou a respeito do sonho de Dom Bosco aos nove anos: “Sabemos que pela manhã Joãozinho racontou [descreveu] o sonho aos seus familiares, despertando a hilaridade e a indiferença dos irmãos e da avó. Somente a Mãe – Margarida – intuiu a visão do futuro. Por isso, vos confio a Maria, para que ajude a cada um de vós a prolongardes, no hoje, o sonho de Dom Bosco: ver os jovens felizes no tempo e na eternidade”15. Que os sonhos, a vida, a vocação e a missão deste grande santo nos ajudem a perceber em nossas vidas, ainda que sofridas e atribuladas como a de João Bosco, o chamado de Deus. E que a Virgem Maria, que acompanhou Dom Bosco por toda sua vida, nos ajude a responder hoje, com generosidade e amor, a nossa vocação. São João Bosco, educai-nos para a santidade! Nossa Senhora Auxiliadora, rogai por nós!

Natalino Ueda, escravo inútil de Jesus em Maria.

Links relacionados:

MONSENHOR JONAS ABIB. “Dom Bosco me acompanha desde menino”, diz monsenhor Jonas.

PADRE PAULO RICARDO. Dom Bosco, o santo dos jovens.

TODO DE MARIA. Dom Bosco e Nossa Senhora.

Referências:

1 TEXTOS MEDITATIVOS. Eduquemos com o coração de Dom Bosco – Sonho dos 9 anos.

2 DOM BOSCO. Institucional.

3 Idem, ibidem.

4 Cf. Lc 1, 38.

5 Cf. Lc 1, 39.

6 DOM BOSCO. Op. cit.

7 Idem, ibidem.

8 Idem, ibidem.

9 Idem, ibidem.

10 Idem, ibidem.

11 Idem, ibidem.

12 Idem, ibidem.

13 Idem, ibidem.

14 Idem, ibidem.

15 TEXTOS MEDITATIVOS. Op. cit.

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