A consagração e o mistério da Encarnação

Conheça a íntima ligação entre a consagração a Virgem Maria e o mistério da Encarnação do Verbo.

Ao celebrar a solenidade da Anunciação do Senhor, é significativo meditar no extraordinário mistério que é a Encarnação do Verbo de Deus, para compreender melhor a consagração a Jesus em Maria. São Luís Maria Grignion de Montfort, no seu clássico de espiritualidade mariana intitulado “Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem”, ensina-nos que a consagração a Virgem Maria tem uma estreita ligação com o mistério da Encarnação do Verbo. Pois, a ação de Deus neste Mistério se realiza também em cada um de nós, filhos de Maria, especialmente se somos a ela consagrados.

Conheça a íntima ligação entre a consagração a Virgem Maria e o mistério da Encarnação do Verbo.

Anunciação da Encarnação do Verbo a Virgem Maria

Para compreender esta ação divina no mistério da Encarnação, que se realiza em Nossa Senhora, precisamos conhecer e entender o princípio teológico que perpassa toda a mariologia de São Luís Maria: “supostas as coisas como são, já que Deus quis começar e acabar suas maiores obras por meio da Santíssima Virgem, depois que a formou, é de crer que não mudará de conduta nos séculos dos séculos (cf. Rm 8, 29), pois é Deus, imutável em sua conduta e em seus sentimentos”1. A partir deste princípio, compreenderemos melhor a Encarnação do Verbo, a sua continuidade no desígnio da Salvação, e a devoção especial dos consagrados, ou escravos de amor, a este mistério.

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A Santíssima Trindade e a Virgem Maria no mistério da Encarnação

Deus Pai deu ao mundo o seu Filho Unigênito por meio do ventre virginal de Maria, a humilde serva do Senhor (cf. Lc 1, 48). “Por mais ardentes que fossem os suspiros dos Patriarcas e as súplicas que durante quatro mil anos lhe fizeram os profetas e os santos da Antiga Lei para obterem esse tesouro, só Maria o mereceu. Só Ela encontrou graça diante de Deus pela força das suas orações e pela grandeza das suas virtudes”2. Santo Agostinho nos ensina que, não sendo o mundo digno de receber o Filho de Deus diretamente das mãos do Pai, este O deu a Maria, para que os homens O recebessem por Ela. “Deus Pai, para dar a Maria o poder de produzir o seu Filho e todos os membros do seu Corpo Místico, comunicou-lhe a sua fecundidade, na medida em que uma simples criatura a podia receber”3.

O Filho de Deus se fez homem para nos salvar, em Maria e por Maria. “Como o novo Adão ao seu Paraíso Terrestre, assim desceu Deus Filho ao seio virginal de Maria para aí achar as suas delícias e operar, às escondidas, maravilhas de graça”4. Jesus, o Deus humanado, encontrou a sua liberdade em ver-Se aprisionado no seio da Virgem de Nazaré. Deus Filho fez brilhar a sua força, deixando-se levar pela jovem Virgem Maria. O Filho de Deus achou a sua glória, e a de seu Pai, escondendo os Seus esplendores a todas as criaturas da Terra, para só revelá-los a Nossa Senhora. Jesus de Nazaré glorificou a sua independência e majestade dependendo desta amável Virgem na sua concepção, nascimento, apresentação no Templo, na sua vida oculta de trinta anos, na sua morte na cruz. A Virgem das Dores assistiu essa morte porque Jesus quis oferecer com Ela um mesmo sacrifício e ser imolado ao Eterno Pai com seu assentimento (cf. Jo 19, 25), como outrora Isaac também foi destinado ao sacrificado pelo consentimento de Abraão (cf. Gn 22, 1-19).

Foi Nossa Senhora que amamentou, nutriu, sustentou, criou e consentiu o sacrifício Jesus por amor a nós. Por sua vez, o Filho de Deus onipotente se fez dependente da Virgem de Nazaré e a ela foi submisso (cf. Lc 3, 51) durante toda sua vida:

Ó admirável e incompreensível dependência de um Deus! Nem o Espírito Santo a pôde ocultar no Evangelho para nos mostrar o seu valor e glória infinita, embora tenha escondido quase todas as maravilhas operadas pela Sabedoria Encarnada durante a sua vida oculta. Jesus Cristo deu mais glória a Deus Pai pela sua submissão a Maria durante trinta anos do que lhe teria dado se convertesse toda a Terra operando os maiores prodígios. Oh! Quão altamente glorificamos a Deus quando nos submetemos, para lhe agradar, à Virgem Santíssima, a exemplo de Jesus Cristo, nosso único modelo!5

Jesus Cristo quis começar os Seus milagres pela Virgem Maria. O Filho de Deus santificou São João Batista ainda no seio de sua mãe, Santa Isabel, pela simples saudação de Maria (cf. Lc 1, 41-44). Este foi o primeiro milagre de Jesus na ordem da graça. Nas bodas de Caná, Jesus transformou água em vinho, em atenção ao humilde pedido de sua Mãe Santíssima (cf. Jo 2, 1-11). Este foi o primeiro milagre do Senhor na ordem da natureza. Dessa forma, compreendemos que Jesus “começou e continuou os Seus milagres por Maria; por Ela os continuará até o fim dos séculos”6.

Deus Espírito Santo formou Jesus Cristo em Maria, depois de pedir o seu consentimento na Anunciação angélica da Encarnação do Verbo (cf. Lc 1, 26-38). “Sendo o Espírito Santo estéril em Deus, isto é, não produzindo nenhuma outra Pessoa Divina, tornou-se fecundo por Maria, a quem desposou”7. Foi com ela, nela e dela que o Espírito Santo formou a sua obra-prima: “um Deus feito homem, e que forma todos os dias, até o fim dos séculos, os predestinados e os membros do corpo que tem por cabeça o adorável Jesus”8. Por isso, quanto mais, em nossas almas, o Espírito encontra a Virgem Maria, sua amada e inseparável esposa, mais operante e poderoso se torna para produzir Jesus Cristo nessa alma e essa alma em Jesus Cristo.

A Santíssima Virgem não dá ao Espírito Santo a fecundidade, como se Ele não a tivesse. O Espírito é Deus e, em razão disso, possui a fecundidade, ou a capacidade de produzir, tal como o Pai e o Filho, embora não a transforme em ato, produzindo outra pessoa divina. No entanto, o Espírito Santo quis reduzir a ato a Sua fecundidade por intermédio da Santíssima Virgem. O Espírito de Deus serviu-se da Virgem Maria, embora isso não fosse necessário, para produzir, nela e por ela, Jesus Cristo e os seus membros. Este é um mistério da graça, inacessível até mesmo aos mais sábios e espirituais entre os cristãos.

Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo com o tema “A Mãe do Salvador e a Nossa Vida Interior”:

A Santíssima Trindade e a Virgem Maria no desígnio da Salvação

O procedimento que as três pessoas da Santíssima Trindade tiveram no mistério da Encarnação e na vida terrena do Senhor, na Sua primeira vinda, têm ainda todos os dias, duma maneira invisível, na Santa Igreja, e terão até a consumação dos séculos, na segunda e definitiva vinda de Jesus Cristo:

Deus Pai juntou todas as águas e chamou-as mar; juntou as suas graças e chamou-as Maria. Este grande Deus tem um tesouro ou celeiro riquíssimo, onde encerrou tudo o que tem de belo, de resplandecente, de raro e precioso, incluindo o seu próprio Filho. E este tesouro imenso não é outro a não ser Maria, a quem os santos chamam o “Tesouro do Senhor”, de cuja plenitude os homens são enriquecidos.

Deus Filho comunicou à sua Mãe tudo o que adquiriu pela sua vida e morte, os Seus méritos infinitos e as suas admiráveis virtudes. Fê-la tesoureira de tudo o que o Pai lhe deu como herança. E assim é por meio de Maria que aplica os Seus méritos aos seus membros, que comunica as suas virtudes e distribui as suas graças. Ela é o seu canal misterioso, o seu aqueduto, por onde faz passar, suave e abundantemente, as suas misericórdias.

Deus Espírito Santo comunicou a Maria, sua fiel esposa, os Seus dons inefáveis, e escolheu-a para dispensadora de tudo quanto possui. Deste modo, ela distribui a quem quer, quanto quer, como e quando quer todos os Seus dons e graças, e nenhum dom celeste é concedido aos homens sem que passe por suas mãos virginais. Porque tal é a vontade de Deus, que quis que tudo recebamos por Maria. Desta forma é enriquecida, elevada e honrada pelo Altíssimo aquela que durante toda a vida se fez pobre, se humilhou e escondeu até o mais profundo nada, em sua extrema humildade. São estes os sentimentos da Igreja e dos Santos Padres9.

O especial culto dos consagrados ao mistério da Encarnação

Tendo em vista a singular participação da Santíssima Virgem na geração do Filho de Deus e de cada um de nós, filhos de Maria, todos devemos prestar-lhe um culto especial, principalmente aqueles que lhe são consagrados: “Terão especial devoção ao grande mistério da Encarnação do Verbo, celebrado no dia 25 de março”10. O motivo deste culto especial dos consagrados é que, conforme ensina São Luís Maria, a Encarnação do Verbo é o mistério próprio da consagração, visto que esta foi inspirada pelo Espírito Santo:

1º. Para honrar e imitar a inefável dependência que o Filho de Deus quis ter de Maria, para glória de seu Pai e para nossa salvação. Esta dependência manifesta-se duma maneira particular neste mistério, em que Jesus Cristo está cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, e onde depende dela em todas as coisas;

2º. Para agradecer a Deus as graças incomparáveis que deu a Maria e, particularmente, por tê-la escolhido para sua tão digna Mãe, escolha que se realizou neste mistério11.

Estes são os dois principais fins da escravidão de Jesus Cristo em Maria. Este nome está intimamente ligado ao mistério da Encarnação e a estas finalidades. Podemos dizer, como muitos o fizeram antes de nós, que somos escravos de Maria, e chamar esta devoção de escravidão a Maria. No entanto, é preferível dizer escravo de Jesus em Maria, pelas seguintes razões:

1ª. Estamos num século orgulhoso, em que abundam os sábios soberbos, os espíritos fortes e críticos, que acham o que criticar nas práticas de piedade mais fundadas e mais sólidas. A fim de não lhes fornecer, sem necessidade, um pretexto de crítica, vale mais dizer escravidão de Jesus Cristo em Maria, e dizer-se escravo de Jesus Cristo do que escravo de Maria. Assim denomina-se esta Devoção mais de acordo com o seu fim último, que é Jesus Cristo, do que com o caminho e meio para lá chegar, que é Maria. Apesar disso, podemos, na verdade, usar sem escrúpulos ambas as denominações […];

2ª. O principal mistério que se celebra e honra nesta devoção é o mistério da Encarnação, no qual se pode ver Jesus em Maria, encarnado no seu seio. Por isso, vem mais a propósito dizer escravidão de Jesus em Maria. Jesus habitando e reinando em Maria, conforme a bela oração de tantos homens célebres:

“Ó Jesus, que viveis em Maria, vinde e vivei em Vossos servos, no espírito da Vossa santidade, na plenitude de Vossa força, na perfeição de Vossas vias, na verdade de Vossas virtudes, na comunhão de Vossos mistérios, dominai sobre toda a potestade inimiga, em Vosso Espírito, para a glória do Pai. Amém.”12

Falar desta devoção como escravidão a Jesus em Maria expressa mais claramente a íntima união existente entre Jesus e Maria. Mãe e Filho estão unidos tão intimamente que um está todo no outro: Jesus todo em Maria e Maria toda em Jesus. Nossa Senhora já não existe: Jesus é tudo nela. Por isso, com muito mais razão do que São Paulo, a Mãe de Deus pode dizer: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). “Seria mais fácil separar do Sol a sua luz, que Maria de Jesus. Pelo que se pode chamar a Nosso Senhor, Jesus de Maria, e à Santíssima Virgem, Maria de Jesus”13.

Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo com o tema “Maria no projeto de Deus”:

O mistério da Encarnação e a Santíssima Virgem como trono da misericórdia de Deus

Assim, estas são as excelências e grandezas deste sublime mistério de Jesus vivendo e reinando em Maria, ou seja, da Encarnação do Verbo:

Este é o primeiro dos mistérios de Jesus Cristo, o mais oculto, o mais elevado e o menos conhecido. Foi neste mistério que Jesus escolheu todos os eleitos com a colaboração de Maria, escondido no seu seio, que por isso é chamado pelos santos de “A Sala dos Segredos Divinos”. Foi neste mistério que Jesus operou todos os mistérios que depois se seguiram na sua vida, pela aceitação que deles fez. Jesus, entrando no mundo, disse: “Eis que venho para fazer a tua vontade, ó Deus” (Hb 10, 7; cf. Sl 39, 7ss). Por conseguinte, este mistério é um resumo de todos os outros; encerra a vontade e a graça de todos14.

Neste Ano Santo da Misericórdia, é importante recordarmos que a Santíssima Virgem é o trono da misericórdia, da liberalidade e da glória de Deus. Ela é “trono da sua misericórdia para nós, pois só podemos nos aproximar de Jesus por meio de Maria, bem como só podemos vê-lo e falar-lhe por intermédio de Maria”15. Jesus misericordioso, que atende sempre à sua querida Mãe, concede no mistério da Encarnação a sua graça e misericórdia aos pobres pecadores. Por isso, “vamos, pois, com confiança, ao trono da graça” (Hb 4, 16). O mistério da Encarnação é ainda o trono da Sua liberalidade para com Maria, visto que enquanto o Novo Adão permaneceu neste verdadeiro Paraíso terrestre, operou tantas maravilhas escondidas, que nem os anjos nem os homens as podem compreender. Ela é também o trono da glória para o Pai celeste, pois foi na Virgem de Nazaré que Jesus Cristo aplacou perfeitamente a ira de Deus Todo-Poderoso conta a humanidade. Foi em Maria que Jesus reparou definitivamente a glória que o pecado Lhe tinha roubado. No sacrifício que fez da Sua vontade e de Si mesmo no seio da Virgem Santíssima, Jesus deu mais glória a Deus do que jamais lhe teriam dado todos os sacrifícios da Antiga Lei. “Enfim, foi em Maria que Jesus deu ao Pai uma glória infinita, que jamais havia recebido do homem”16.

Natalino Ueda, escravo inútil de Jesus em Maria.

Links relacionados:

TODO DE MARIA. A misericórdia de Maria com os pecadores.

TODO DE MARIA. As práticas da consagração a Nossa Senhora.

TODO DE MARIA. Maria, Mãe e Filha da misericórdia de Deus.

TODO DE MARIA. Santa Missa: sacrifício de Jesus e de Maria.

Referências:

1 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem, 15.

2 Idem, 16.

3 Idem, 17.

4 Idem, 18.

5 Idem, ibidem.

6 Idem, 19.

7 Idem, 20.

8 Idem, ibidem.

9 Idem, 23-25.

10 Idem, 243.

11 Idem, ibidem.

12 Idem, 246-247.

13 Idem, 247.

14 Idem, 248.

15 Idem, ibidem.

16 Idem, ibidem.

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