O acontecimento de Nossa Senhora Aparecida, o Mistério de Deus e a missão da Igreja.
O Sumo Pontífice, Papa Francisco, em sua visita ao Brasil, nos falou sobre o milagre de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, sobre o Mistério de Deus e a missão da Igreja. Em discurso ao Bispos do Brasil, por ocasião da JMJ 2013, Papa Francisco explica a ligação da mensagem de Aparecida com a Missão da Igreja. Segundo o Santo Padre, “em Aparecida, Deus ofereceu ao Brasil a sua própria Mãe” (Discurso do Papa Francisco, em 27 de Julho de 2013). Além disso, “em Aparecida, Deus deu também uma lição sobre Si mesmo, sobre o seu modo de ser e agir. Uma lição sobre a humildade que pertence a Deus como traço essencial e que está no DNA de Deus” (Idem). Há algo de permanente para aprender sobre Deus e sobre a Igreja em Aparecida, um ensinamento que não devemos esquecer.
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No início do Mistério de Aparecida, está a busca de pescadores pobres, que tem na pesca o seu meio de sobrevivência. Eles possuem um barco frágil, que não é dos melhores e têm redes estragadas. Os pescadores trabalham, se cansam muito, mas o resultado é pouco ou quase nada. Apesar dos seus esforços, as redes estão vazias. Mas, quando foi da vontade de Deus, ele mesmo se apresenta no seu Mistério. “Ele chegou de surpresa, quem sabe quando já não o esperávamos. A paciência dos que esperam por Ele é sempre posta à prova” (Idem). Deus se manifestou de maneira nova, através de uma “imagem de barro frágil, escurecida pelas águas do rio, envelhecida também pelo tempo. Deus entra sempre nas vestes da pequenez” (Idem).
Em suas redes, os pobres pescadores encontram a imagem da Imaculada Conceição. Eles encontram “primeiro o corpo, depois a cabeça, em seguida a unificação de corpo e cabeça: a unidade. Aquilo que estava quebrado retoma a unidade. O Brasil colonial estava dividido pelo muro vergonhoso da escravatura. Nossa Senhora Aparecida se apresenta com a face negra, primeiro dividida mas depois unida, nas mãos dos pescadores” (Idem). Na imagem de Aparecida, há um ensinamento que Deus quer nos oferecer. “Sua beleza refletida na Mãe, concebida sem pecado original, emerge da obscuridade do rio” (Idem). Em Aparecida, Deus nos dá uma mensagem de recomposição do que está quebrado, de união do que está dividido. Por isso, a Igreja não pode descuidar-se desta lição: ser instrumento de reconciliação e de paz.
Embora ainda não compreendessem, os pescadores não desprezam o Mistério encontrado no rio. Eles não jogam fora os pedaços do Mistério, mas esperam a plenitude, que não demora a chegar. “Há aqui algo de sabedoria que devemos aprender. Há pedaços de um Mistério, como partes de um mosaico, que vamos encontrando. Nós queremos ver muito rápido a totalidade; e Deus, pelo contrário, Se faz ver pouco a pouco. Também a Igreja deve aprender esta expectativa” (Idem). Os pescadores levam para casa a imagem, pois o povo simples sempre tem espaço para acolher o Mistério, pois este entra pelo coração. “Na casa dos pobres, Deus encontra sempre lugar” (Idem).
Os pescadores agasalham a imagem, como se ela estivesse com frio e precisasse ser aquecida. “Deus pede para ficar abrigado na parte mais quente de nós mesmos: o coração” (Idem). Porém, é Deus quem irradia o calor que precisamos, mas Ele primeiro entra com a desculpa de quem mendiga. “Os pescadores cobrem o Mistério da Virgem com o manto pobre da sua fé. Chamam os vizinhos para verem a beleza encontrada; eles se reúnem à volta dela; contam as suas penas em sua presença e lhe confiam as suas causas” (Idem). Dessa forma, eles deixam que Deus coloque em prática as Suas intenções: “uma graça, depois a outra; uma graça que abre para outra; uma graça que prepara outra” (Idem). Aos poucos, Deus manifesta a humildade misteriosa de Sua força.
Há muito para aprendermos nessa atitude de fé dos pescadores. Eles nos mostram uma Igreja que dá espaço ao Mistério de Deus, que o acolhe de modo que encanta e atrai as pessoas. “Somente a beleza de Deus pode atrair. O caminho de Deus é o encanto que atrai. Deus faz-se levar para casa. Ele desperta no homem o desejo de guardá-lo em sua própria vida, na própria casa, em seu coração. Ele desperta em nós o desejo de chamar os vizinhos, para dar-lhes a conhecer a sua beleza” (Idem). A missão da Igreja nasce dessa atração divina, que possibilita o encontro. Penso nos pescadores que. Sem a simplicidade dos pescadores, que chamam seus vizinhos para ver o Mistério da Virgem, a nossa missão será um fracasso.
Não podemos esquecer a lição de Aparecida. As redes da Igreja são frágeis, talvez estejam até remendadas. A barca da Igreja não tem a força dos grandes navios que cruzam os mares. Entretanto, “Deus quer se manifestar justamente através dos nossos meios, meios pobres, porque é sempre Ele que está agindo” (Idem). O resultado positivo da missão da Igreja não está ligado à riqueza dos recursos, mas na criatividade do Amor. São necessários a persistência, o trabalho, o planejamento, a organização, mas a força da Igreja não está nela própria, mas escondida nas águas profundas de Deus, nas quais ela é chamada a lançar as redes.
A Igreja deve sempre se lembrar que não pode afastar-se da simplicidade, para não desaprender a linguagem do Mistério, para não ficar fora da porta do Mistério. Fora do Mistério, a Igreja não consegue entrar naqueles que pretendem dela aquilo que não pode dar-se por si mesma, que é o próprio Deus. Às vezes, perdemos aqueles que não nos entendem, porque desaprendemos a simplicidade e buscamos de fora razões que o nosso povo não conhece. “Sem a gramática da simplicidade, a Igreja se priva das condições que tornam possível ‘pescar’ Deus nas águas profundas do seu Mistério” (Idem).
O Mistério de Aparecida surgiu em um lugar de cruzamento. O milagre de Aparecida aconteceu próximo à estrada que ligava Rio, antiga capital, com São Paulo, a cidade que estava nascendo, e Minas Gerais, as minas cobiçadas pelas cortes imperiais europeias: “uma encruzilhada do Brasil colonial. Deus aparece nos cruzamentos. A Igreja no Brasil não pode esquecer esta vocação inscrita em si mesma desde a sua primeira respiração: ser capaz de sístole e diástole, de recolher e divulgar” (Idem). Nossa Senhora acolheu as necessidades daqueles pescadores e providenciou aquilo que precisavam, mas também os levou a encontrar Deus, escondido naquela pequena imagem. Esta é a vocação da Igreja que está presente em Aparecida.
Portanto, o Mistério de Aparecida nos recorda que somos instrumentos frágeis nas mãos de Deus e que é Ele quem realiza os milagres e nos concede as graças. Sem a consciência de nossa fragilidade, perdemos a simplicidade de quem sabe ser mero instrumento de Deus. Sem a simplicidade daqueles pescadores, não somos capazes de encontrar Deus nas profundezas de seu Mistério. Sem simplicidade, não somos capazes de acolher o Mistério e levar a tantas pessoas que estão com fome e sede de Deus.