A história da Imaculada Conceição de Murillo

Conheça a história extraordinária da mais famosa imagem da Imaculada Conceição de Murillo e o poema que foi escrito em sua homenagem.

Não fosse o primor dessa relíquia literária de D. Augusto Álvaro da Silva, que foi o primeiro cardeal da Bahia, não me excederia a emoção ao declamar a sua “Conceição de Murillo” no Grêmio Literário “PIO XII”.

O Eminente Cardeal-poeta, Dom Augusto Álvaro da Silva, que foi o primeiro cardeal da Bahia, traduz em versos a histórica criação da imagem pela qual a Igreja venera a Imaculada Conceição, iniciando com a aflitiva busca, pelo Artista designado pelo rei para produzir aquela figura sagrada, de um modelo que o inspirasse, até que, surpreso, vai encontrá-lo junto à prisão do Estado, onde um pai mouro está prisioneiro.Conheça a história extraordinária da mais famosa imagem da Imaculada Conceição de Murillo e o poema que foi escrito em sua homenagem.

A radiante inocência da filha, ali em pranto, congraça uma beleza que permite ao artista assegurar a liberdade do pai. Faz dela o retrato ideal e vai expô-lo diante do rei e da nobreza, acompanhado da moura, ostensivamente repelida pela Corte. Mas, ao descerrar do quadro os olhares convergem para ela e a identificam com a santa, no que se voltam de respeito e encanto.

O rei, em suma devoção, se propõe a dar a Murillo o que ele pedisse. E qual teria sido o preço do sonho realizado pelo imortal Sevilhano, senão a liberdade do mouro aprisionado e condenado à morte?

Por certo a transcrição dos versos poéticos anexados exigirá espaço e um toque inicial de interesse para a sua leitura, o que não deixará de ser gratificante se não se rolarem lágrimas de emoção ante a grandiosidade dos eventos e seu surpreendente desfecho, quando não, o gesto real com que Murillo foi recompensado. Eis:

A Conceição de Murillo

1
Já não era criança; um maranhal de fios
Grisava-lhe a fronte cismadora e rude,
Onde seus olhos profundos, tépidos, sombrios
Punham tons de mistério e indícios de virtude.

2
Desde muito era visto a andar pelas esquinas
A olhar curiosamente a turba circunstante,
E, até, fazer parar donzelas e meninas
P’ra mirar-lhes de perto as linhas do semblante.

3
Teria enlouquecido? O Rei crente e piedoso
Ordenara-lhe um dia desse execução
Ao seu desejo ardente: — em quadro primoroso
A cópia mais fiel da imácula Conceição.

4
Por isso é que ele andava inquieto, apreensivo
Fitando a todo mundo, olhando a toda gente,
A ver se achava, enfim, concretizado e vivo
Modelo ao ideal que brinca-lhe na mente.

5
— Esta?… Não serve!… Aquela?… Causa pena vê-lo
Na angustia em que se agita essa alma torturada
Por não achar nenhures, pálido modelo
Que possa traduzir ess’alma imaculada.

6
Junto às prisões do Estado, em pedra úmida e fria,
Das ruas de Madrid; o sol ia já posto,
Uma pobre menina, em pranto, escondia
Na noite de seu véu a aurora do seu rosto.

Ouça homilia do Padre Paulo Ricardo sobre “O mistério da Assunção e a glória de Maria”:

7
Murilo aproximou-se e delicadamente:
— “Porque choras assim? Levanta-te, sê forte!”
Ela volveu-lhe o rosto e disse simplesmente:
— “Meu pai ‘stá preso ali. ‘Stá condenado à morte.”

8
Ao contemplar desnuda a fronte peregrina,
Artista, ele estacou, e arrebatado vai
Tomando-a pela mão, dizendo-lhe: — “Menina,
Anda daí comigo e eu livrarei teu pai!”

9
— “Meu pai, senhor, é mouro e o Rei que nos persegue
É bárbaro e cruel, pesar de ser cristão…
Dos nossos nem um só que foi-lhe um dia entregue,
Senão para morrer, saiu desta prisão!”

10
“Menina, vem comigo, eu juro, a liberdade
Será dada a teu pai, herege ou criminoso,
Que o rei que dizes mau e afeito à crueldade,
Tem o sangue espanhol ardente e generoso.

11
“Vem; vamos daqui. Partamo-nos depressa,
Que teu pai será livre! Esta esperança é um fato,
Porque o rei cumprirá, fiel, sua promessa
De dar-me o que eu pedir, a troca de um retrato.

12
“Sim! O Rei prometeu, se eu lhe pintasse a gosto
A Conceição sem mancha, espórtula avultada.
E, criança, tu tens nos traços do teu rosto
Os traços mais fieis de um’ alma imaculada.

13
“Anda, pois!”… E ela foi. O artista satisfeito
Tem-na diante de si, a coma em ondas solta,
O olhar fitando o céu, as mãos em cruz no peito
Aos quando murmurando: — “Então!…Meu pai não volta?”

14
Quando tudo acabou, nervosamente ufano,
Tomou-a pela mão e alçando a voz lhe disse:
— “Agora vem comigo. Ouviste: o soberano
Garantiu-me pagar o preço que eu pedisse.”

15
Quando chegaram lá, era o palácio em festa;
Clero, nobreza e povo, a fina flor da Espanha
À mera exposição de um quadro novo, empresta,
Todos agora ali, solenidade estranha.

16
Ia-se inaugurar a “Virgem de Murilo”!…
Quando um “Oh!” de repulsa, em meio à sala estoira;
– ‘Stava junto ao pintor impávido, tranquilo,
Inquieta e perturbada a pobrezinha moira!

17
Nisto corre a cortina e esplêndido, aparece
O retrato fiel da moira ali presente,
O olhar fitando o céu, mimosa a boca em prece,
Onde brinca o sorriso ingênuo de inocente.

Conheça a história extraordinária da mais famosa imagem da Imaculada Conceição de Murillo e o poema que foi escrito em sua homenagem.

La Inmaculada Concepción – Bartolomé Esteban Perez Murillo (1617-1682).

18
Ao correr da cortina a sala estruge em palmas
E os olhares se vão da moira à tela. O Rei
Ao pintor genial que assim retrata as almas:
— “Pede quanto quiseres”, diz, “que t’o darei.”

19
— “Senhor, se meu trabalho algum valor alcança,
Se m’o quereis pagar,” Murillo principia,
“Então dai liberdade ao pai desta criança
Em honra da beleza e em honra de Maria!”

20
E as duras férreas portas das prisões do Estado
Abriram par em par. E da prisão sombria
Viu-se sair então, liberto, um condenado
Louvando a Conceição sem mancha de Maria.

Autor do poema: Dom Augusto Álvaro da Silva (1876-1968), Cardeal Primaz do Brasil (1925-1968).

Fonte: ECHUS DO IBATÉ. A recompensa de um artista.

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TODO DE MARIA. O Ano Mariano e a doutrina da Imaculada.

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