A obediência e as dores de Nossa Senhora no Calvário e a maternidade de dor e de amor sobre todos os homens.
No dia 15 de Setembro, na memória de Nossa Senhora das Dores, a Liturgia apresenta a Virgem Maria em íntima participação na Paixão de seu Filho Jesus Cristo, como esteve também em todas as vicissitudes da Sua vida terrena. A profecia do velho Simeão: “uma espada traspassará a tua alma” (Lc 2, 35), realizou-se na participação de Maria Santíssima nas dores de Jesus Cristo, que a fez penetrar cada vez mais profundamente no mistério da cruz.
Na primeira leitura, a carta aos Hebreus nos transmite que Cristo, “nos dias da Sua vida mortal” (Hb 5, 7), quis partilhar a sorte do homem pecador, quis padecer por ele e com ele. O peso dessa dor imensa arrancou-Lhe “clamores e lágrimas” (Hb 5, 7) – pensemos na agonia do Getsemani e na do Calvário – e, contudo, Ele submeteu-Se voluntariamente, em obediência à vontade do Pai. “Embora fosse Filho de Deus, aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos que teve” (Hb 5, 8). Maria, a mulher das dores, seguiu Jesus, o “homem das dores” (Is 53, 3), por este caminho de sofrimento, padeceu com Ele para a salvação de toda humanidade.
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A obediência e as dores de Nossa Senhora
Cada novo sofrimento encontrou a Virgem Maria sempre disponível à vontade divina, a repetir o fiat (cf. Lc 1, 38) pronunciado na Anunciação. Jesus, submetendo-Se à vontade do Pai, “tornou-se autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb 5, 9) e Maria, participando nessa obediência e nessa dor, cooperou na obra da salvação da humanidade. Ao mesmo tempo, em união com seu divino Filho, mostrou-nos o caminho da obediência.
A submissão de Maria à vontade de Deus custou a espada que traspassou a sua alma durante a vida e o holocausto supremo que realizou aos pés da cruz. “Junto desta esteve, não sem desígnio de Deus (cf. Jo 19,25), padecendo acerbamente com o seu Filho único, e associando-se com coração de mãe ao Seu sacrifício, consentindo com amor na imolação da vítima que d’Ela nascera”[1]. O título de Rainha dos Mártires, que lhe outorgou a Igreja, manifesta uma realidade inigualável: “Maria sofreu mais do que todos os mártires, porque só a ela foi pedido o sacrifício de seu amado Filho que era, ao mesmo tempo, o seu Deus muito amado”[2]. “Feliz a Virgem Maria que, sem passar pela morte, mereceu a palma do martírio, ao pé da Cruz do Senhor”[3].
Certamente que seria mil vezes mais fácil para a Mãe de Deus morrer do que assistir à crucifixão e à morte de seu amado e divino Filho. Por isso, sentimos a necessidade de nos compadecer diante de tão grande dor e de orar com a Igreja: “Vós quisestes, Senhor, que a Mãe do Vosso Filho, de pé junto da Cruz, fosse associada aos Seus sofrimentos; concedei à Vossa Igreja unir-se à Paixão de Cristo para ter parte na Sua ressurreição”[4].
A maternidade dolorosa da Virgem Maria
O Evangelho convida-nos a contemplar Maria aos pés da cruz. Do alto do madeiro, Jesus, em meio a dores atrozes, proclama-a Mãe dos homens (cf. Jo 19, 26-27). Para chegar a ser Mãe do Filho de Deus foram suficientes a sua fé inquebrantável, o seu fiat cheio de amor (cf. Lc 1, 38) e a pobreza de Belém (cf. Lc 2, 7). Mas, para ser Mãe dos homens, foi necessário o sofrimento terrível do Calvário. Só então Jesus, apresentando a sua Mãe à humanidade, na pessoa de João, lhe diz: “Mulher, eis aí teu filho” (Jo 19, 26), como que para significar que a sua participação na Paixão lhe conferia o direito de ser oficialmente reconhecida como Mãe dos homens. Em Belém, na paz daquela noite venturosa e com alegria imensa, Maria deu à luz o seu Filho Jesus. No Calvário, entre os ritos dos algozes e com indescritível sofrimento, gerou os homens para a vida da graça. Pela sua íntima participação no mistério do Filho de Deus, passou a ser “nossa mãe na ordem da graça”[5].
Não há dúvida que a obra de Maria está, em tudo, subordinada à de Jesus e nela encontra a sua eficácia. A Igreja não hesita em proclamar esta função subordinada de Maria, sente-a constantemente e inculca-a aos fiéis, para mais intimamente aderirem, com esta ajuda materna, ao seu Mediador e Salvador, Jesus Cristo.
Ao experimentar os benefícios da maternidade de Maria, não podemos esquecer o preço que ela pagou por todos nós: foi crucificada em espírito. “Não vos maravilheis, irmãos – afirma S. Bernardo – ouvindo dizer que Maria foi mártir na sua alma… Se Jesus pode morrer no corpo, por que razão não poderia ela morrer com Ele no seu coração? Nele atuou uma caridade que não admite comparação, e nela, uma caridade que jamais criatura alguma conseguiu igualar”[6].
A maternidade de Maria Santíssima para conosco é maternidade de dor e de amor. Por isso, para sermos seus dignos filhos, é necessário que dela aprendamos a amar e a sofrer. Devemos amar a Deus e a Sua vontade, aceitar com amor e resignação as tribulações e os sofrimentos da vida e oferecê-los em união com a Paixão de Jesus e de Maria pela nossa salvação e pela de nossos irmãos.
A lembrança de Nossa Senhora aos pés da cruz suaviza a aspereza da dor, infunde coragem e ajuda a sofrer com generosidade, na serena esperança de que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus (cf. Rm 8, 28).
Assista ao programa do Padre Paulo Ricardo na “Memória de Nossa Senhora das Dores”:
Oração a Nossa Senhora das Dores
Verdadeiramente, ó Mãe bem-aventurada! a espada traspassou a tua alma. Nem ela poderia penetrar no corpo de teu Filho sem a traspassar. Certamente, depois que Jesus expirou, o teu Jesus, mais teu do que de todos os outros, não tocou na Sua alma a lança cruel que abriu o Seu sagrado lado…, mas traspassou certamente a tua. A Sua alma já ali não estava, mas a tua não se podia afastar de lá. A força da dor traspassou, pois, a tua alma para que, com razão, te proclamemos mais do que mártir, tendo sido em ti maior o afeto de compaixão que poderia ser o sentido da paixão corporal.
Não foi, acaso, para ti mais do que uma espada aquela palavra que traspassava, na realidade, a alma e que chegava até à divisão da alma e do espírito: “Senhora, eis aí o teu filho”? Oh ditosa troca! Entregam-te João em lugar de Jesus, o servo no lugar do Senhor, o discípulo no lugar do Mestre, o filho de Zebedeu no lugar do Filho de Deus, um simples homem no lugar do Deus verdadeiro (S. Bernardo, De duodecim praerogativis B.V.M.).
Ó Mãe, fonte de ternura, dai que eu sinta as vossas dores, para chorar a vossos pés.
Acendei-me no meu peito uma chama como a vossa, para amar o meu Senhor.
Concedei-me, ó Mãe piedosa, ter gravados na minha alma os estigmas de Jesus.
E fazei que eu tenha parte nessas chagas dolorosas recebidas na Paixão.
Que essas chagas me dominem, que a Paixão em mim penetre pelo Sangue de Jesus.
Não deixeis a chama eterna abrasar-me esse dia de clamor e confusão.
Mas fazei que a Cruz me guarde, me preserve a santa Morte, com a graça do Senhor.
Quando enfim descer à terra, conduz minha alma à glória do descanso eterno em Deus. Amen. (Missal Romano, Stabat Mater)[7].
Links relacionados:
TODO DE MARIA. A Coroa das Sete Dores de Nossa Senhora.
TODO DE MARIA. A memória de Nossa Senhora das Dores no Ano Mariano.
TODO DE MARIA. Terço das Sete Dores: de Kibeho para o mundo.
TODO DE MARIA.São Gabriel de Nossa Senhora das Dores.
Referências:
[1] CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 58.
[2] P. GABRIEL DE S. MARIA MADALENA, O.C.D. Intimidade Divina: Meditações sobre a vida interior para todos os dias do ano, p. 1243.
[3] Idem, p. 1242.
[4] Idem, ibidem.
[5] CONCÍLIO VATICANO II. Op. cit., 61.
[6] P. GABRIEL DE S. MARIA MADALENA, O.C.D. Op. cit., p. 1244.
[7] Idem, p. 1244-1245.