A mídia de 1917 e as aparições de Fátima

Saiba como a mídia noticiou as aparições de Nossa Senhora em Fátima no ano de 1917.

Neste artigo, temos uma reportagem de Ana Lígia Lira sobre como a mídia da época noticiou as aparições de Fátima, especialmente aqueles fatos mais importantes:

Quando assisto filmes que retratam aparições Marianas, como as de Nossa Senhora em Fátima (Portugal), ou em Lourdes (França), e vejo o lado dos que são favoráveis e o dos que são contrários, dos que defendem e dos que atacam, fico me perguntando: – De qual lado eu estaria? É pergunta de difícil resposta esta. Hoje é muito fácil afirmar que estaríamos lá, rezando e pedindo misericórdia. Mas será mesmo?

Saiba como a mídia noticiou as aparições de Nossa Senhora em Fátima no ano de 1917.

Primeira página de “O Mensageiro” toda dedicada a Fátima. Fonte: Expresso.

A Santa Igreja Católica é extremamente prudente nestes assuntos. Na verdade, se observarmos bem, a Igreja Católica Apostólica Romana é a única que investiga exaustivamente seus próprios milagres para, só quando não há mais nenhuma sombra de dúvida ou possibilidade de fraudes, admiti-los como milagres. Nisto consiste parte do alicerce da nossa fé, na seriedade com a qual nossa Igreja trata aquilo que é de natureza sobrenatural, procurando sempre distinguir se um fato provém de Deus ou não.

Mas, voltemos às aparições de Nossa Senhora em Fátima. O primeiro jornal a noticiar, em âmbito nacional, algo sobre os acontecimentos da Cova da Iria foi “O Século”, na edição de 23 de julho de 1917. Os jornais, principalmente os da época, são um belo espelho de como pensava a comunidade. É interessantíssima a forma como os fatos são relatados. São dezenas e dezenas de reportagens, vamos aqui compartilhar as mais importantes. Dependendo do interesse dos leitores, podemos retomar esta mesma matéria de forma mais abrangente e com as reportagens na íntegra. Caso assim desejem, entrem em contato com este Blog. Vamos então começar nosso passeio histórico pelo acervo jornalístico português de 1917!

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Algumas publicações dos jornais da época sobre as aparições de Fátima

O SÉCULO, 23 de julho: “O acontecimento foi tão empolgante que, em Torres Novas, vila, como todos sabem, abundante em alquilarias, no referido dia não se encontrava sequer um carro para alugar, chegando mesmo a fechar bastantes estabelecimentos. Nesse dia, data da dita terceira aparição, os ‘numerosos’ torrienses mais curiosos, na sua maioria religiosos, regressaram a casa por volta das duas da tarde ‘entoando cânticos e hinos à Virgem e soltando alguns vivas’”.

JOÃO SEMANA, 29 de julho: Volta ao assunto e afirma que a autoridade eclesiástica iniciou o processo e que, enquanto o arcipreste local concluía pela veracidade dos fatos, milhares de pessoas citavam milagres e deslocavam-se ao Barral.

O OURIENSE, 29 de julho: “Real aparição ou suposta… ilusão” é o nome do artigo que o periódico de Ourém publica.

O MUNDO, 18 de agosto: “Impostores […] Em pleno século XX existem impostores que nada ficam a dever, na charlatanice audaciosa, ao célebre José Balsamo, mais conhecido por conde de Cagliostro”. Entre outras tropelias feitas por este italiano do século XVIII, que esteve em Portugal e acabou preso na Bastilha e expulso de França por causa de um colar (envolveu-se no célebre caso do colar da rainha, um dos que levou à revolução francesa), conta-se o facto de fazer reuniões com fiéis, fazia com as crianças… vissem aparições místicas”.

O MENSAGEIRO, 22 de agosto: O jornal publica uma carta do padre Manuel Marques Ferreira, que foi o primeiro a interrogar Lúcia, poucos dias depois, desde a primeira até à última dita aparição. Na carta, ele faz um desabafo sobre sua ausência nos acontecimentos da Cova da Iria:

Se a minha ausência como pároco no local se faz sentir aos crentes, não menos se faria sentir a minha presença aos descrentes, em desprimor da verdade dos factos. A Virgem Mãe não precisa da presença do pároco para mostrar a sua bondade, e é necessário que os inimigos da religião não possam deslustrar o brilho de Sua Benevolência atribuindo a crença dos povos à presença ou conselho do pároco porque a fé é um dom de Deus e não dos padres: – eis o verdadeiro motivo da minha ausência e aparente indiferença em tão sublime e maravilhoso assunto: – eis porque não tenho dado meu claro parecer às mil interrogações e cartas que se me têm dirigido. “O inimigo não dorme. Ruge como o Leão”, concluiu o pároco de Fátima[1].

O MENSAGEIRO, 29 de agosto: “Recomendações oportunas – Uma proibição do bispo de Orleans”, que não são mais do que um aviso: é preciso ter cuidado com as aparições e ter em conta a proibição de os padres falarem sobre esse género de acontecimentos, principalmente em tempo de guerra.

O MENSAGEIRO, 27 de setembro: Publica um despacho de Alcobaça, dando conta de que “foi daqui grande concorrência de povo a Fátima a fim de observar as muitas coisas que se têm dito sobre a suposta aparição de Nossa Senhora naqueles sítios”.

Saiba como a mídia noticiou as aparições de Nossa Senhora em Fátima no ano de 1917.

Segunda e terceiras páginas da reportagem da “Ilustração Portuguesa” de 29 de outubro. Nas fotos, é possível notar-se o tamanho da multidão que aguardava por um milagre em Fátima.

O MENSAGEIRO, 11 de outubro: Publica o anúncio a uma estampa de “Nossa Senhora da Paz (Recordação da Fátima)”, sem imagem da mesma, mas com o comentário: “Linda estampa para quadro, remete-se pelo correio a quem enviar 50 réis em estampilhas. Faz-se desconto para grandes quantidades. Vendem-se na Imprensa Comercial, à Sé”.

O SÉCULO, 15 de outubro: O título desta matéria é inspirador: “Como o sol bailou ao meio dia em Fátima”, abaixo, o subtítulo: “Coisas espantosas”. O autor é o jornalista Avelino de Almeida e escreveu para “A Capital” e para a revista católica “A Lanterna”. Ele nos conta:

Perto da hora marcada (que é o meio-dia, embora devido à recém mudança da hora, já são 13h, mas a “hora antiga é a que regula a multidão”), “talvez meia hora antes da indicada como sendo a da aparição”, chegam as crianças. “Conduzem as rapariguinhas, coroadas de capelas de flores, ao sítio em que se levanta o pórtico. A chuva cai incessantemente, mas ninguém desespera. Carros com retardatários chegam à estrada. Grupos de freis ajoelham na lama e a Lúcia pede-lhes, ordena que fechem os chapéus. Transmite-se a ordem, que é obedecida de pronto, sem a mínima relutância. Ha gente, muita gente, como que em êxtase; gente comovida, em cujos lábios secos a prece paralisou; gente pasmada, com as mãos postas e os olhos borbulhantes; gente que parece sentir, tocar o sobrenatural. […] Resta que os competentes digam de sua justiça sobre o macabro bailado do sol que hoje, em Fátima, fez explodir hosanas dos peitos dos fiéis e deixou naturalmente impressionados – ao que me asseguraram sujeitos fidedignos – os livres pensadores e outras pessoas sem preocupações de natureza religiosa que acorreram à já agora celebrada charneca[2].

 

Saiba como a mídia noticiou as aparições de Nossa Senhora em Fátima no ano de 1917.

O “anúncio” de “O Mensageiro”, 29 de Novembro de 1917, sobre as entrevistas aos pastorinhos.

O MENSAGEIRO, 29 de novembro: Último artigo sobre a conversa que o diretor do jornal manteve com as três crianças e que o leva a escrever no final: “o que ouvi aí fica. Aguardemos a decisão da Igreja”. Trata-se de um resumo dos depoimentos de Jacinta e Francisco. A primeira mostra-se envergonhada, responde à maioria das perguntas com silêncios ou a expressão “não me recordo”, mas “confirma as palavras da Lúcia”; o segundo pouco ou nada diz:

Já me esquecia dizer que as três crianças me disseram que a Senhora lhes dissera um segredo e que estas não revelariam a pessoa alguma”, acrescenta o autor, como faz notar Luís Miguel Ferraz, adiantando que, a seguir, “mais uma vez, o padre Lacerda insere o seu comentário, desta vez em jeito de conclusão: ‘O meu inquérito estava terminado. Só me restava aguardar a decisão da Igreja que começou a organizar o processo. A dúvida que me assaltava á ida era a mesma que me acompanhava ao deixar as três crianças. Viram elas na realidade uma Imagem? Como conciliar a afirmativa de que a guerra acabava no dia 13 d’Outubro se ela ainda agora continua? Como conciliar a previsão do fenómeno solar presenciado por tão grande número de pessoas? Não sei’”. […] Por último, faz a defesa do pároco da Fátima e seu amigo Manuel Marques Ferreira, o qual “se conservou sempre alheio a tudo, levando o seu proceder a nunca ter ido à Cova da Iria no dia das aparições. Só a muitos rogos lá foi no último dia[3].

Por: Ana Lígia Lira.

Links relacionados:

TODO DE MARIA. Ana Lígia Lira e “O Diário do Silêncio”.

TODO DE MARIA. Ave-Maria do povo sertanejo.

TODO DE MARIA. Maria chorou comigo.

Referências:


[2]  Idem.

[3]  Idem.

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