O silêncio na vocação da Virgem Maria

A Virgem Maria viveu o silêncio e a solidão em vista da sua vocação, de ser a Mãe de Jesus Cristo e da Igreja.

O silêncio é um traço marcante na vida e na vocação da Virgem Maria. No Novo Testamento, notamos o impressionante silêncio da Virgem de Nazaré depois da Anunciação (cf. Lc 1, 26-38). O fato de ser Mãe do Messias, ainda mais pelo fato de o ser de maneira prodigiosa, deixaria emocionalmente desequilibrada qualquer pessoa. Por mais forte que fosse, seria difícil suportar, na solidão e no silêncio, tão grande peso psicológico. Longe de ser uma recusa egoísta de nos dizer alguma coisa, o profundo silêncio da Virgem Maria a respeito da Encarnação do Verbo tem muito a nos ensinar.

A Virgem Maria viveu o silêncio e a solidão em vista da sua vocação, de ser a Mãe de Jesus Cristo e da Igreja.

Ícone de Nossa Senhora dos Surdos, Mãe do Silêncio

Este silêncio de Nossa Senhora está intimamente ligado com a maternidade de Jesus Cristo, o Filho de Deus, mas também com a sua maternidade sobre todo o gênero humano. O silêncio da Mãe de Deus foi imprescindível não somente para a infância, a vida escondida, a vida pública de Jesus, até o mistério da paixão, morte e ressurreição de seu divino Filho, mas também na vida de todos os fiéis, desde os inícios da Igreja. Em vista de sua vocação materna, a presença silenciosa de Nossa Senhora em nossas vidas se perpetuará até o fim dos tempos, “até a consumação eterna de todos os eleitos”1.

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O segredo de Jesus Cristo guardado pelo silêncio da Virgem Maria

Maria Santíssima não contou a ninguém o segredo da Encarnação do Filho do Altíssimo em seu ventre virginal. Não contou nem mesmo a José, seu futuro esposo (cf. Mt 1, 19). Também não contou a sua prima Santa Isabel. Não sabemos como ela já sabia. O fato é que, logo que a Virgem Maria disse a tradicional saudação da paz judaica “shalom”, Isabel ficou cheia dos Espírito Santo e profetizou o cumprimento das promessas de Deus a seu respeito (cf. Lc 1, 38).

Os habitantes do pequeno vilarejo de Nazaré nunca souberam nada a respeito da concepção de Jesus. Se soubessem, o grande prejudicado seria o próprio Filho, mais do que a Mãe. Os nazarenos se irritaram quando Jesus se apresenta, na sinagoga de Nazaré, como o Messias esperado pelo Povo de Israel. Estes diziam tudo quanto sabiam de negativo de Jesus, para rebaixá-lo: que era simplesmente um carpinteiro, filho de carpinteiro; que sua mãe era uma pobre aldeã; que não tinha estudado as Escrituras; que todos o conheciam (cf. Mt 13, 53-58).

Se aquela pobre gente soubesse que Jesus não era filho de José, diriam que Ele era filho de uma violada, em hebraico harufá, como era costume na época. Dessa forma, podemos deduzir pelas narrativas do Evangelho, que a Virgem Maria não contou a ninguém que ela seria Mãe do Salvador. Se por um lado o silêncio da Virgem de Nazaré protegeu a si mesma e a seu Filho de grandes problemas e especulações, até que chegasse a hora de Jesus (cf. Jo 12, 23), por outro lado colocou-a diante do perigo da incompreensão e do abandono.

Assista vídeo de Eliana Ribeiro, da Comunidade Canção Nova, que canta a música “Virgem do silêncio”:

O silêncio reverente de Nossa Senhora diante do mistério da Encarnação

O fato da Virgem de Nazaré ter escondido o “segredo” de todos os outros é compreensível, mas por que Maria não comunicou a José uma notícia tão extraordinária, que lhe dizia respeito diretamente? Maria Santíssima certamente sabia que não poderia esconder o fato de seu esposo José por muito tempo. O silêncio de Maria nos deixa intrigados. Ela pensava que José não compreenderia o grande mistério que lhe fora revelado e, por isso, era melhor ficar em silêncio?

A jovem Virgem Maria era inteligente e foi consagrada a Deus no Templo desde a sua infância. Por isso, apesar da sua pouca idade, ela sabia muito bem o que significava ser Mãe do Messias esperado de Israel, Mãe do Filho do Altíssimo, por uma concepção virginal. Nossa Senhora sabia que estava diante de um mistério que ultrapassava infinitamente a sua compreensão e, ao mesmo tempo, as suas forças humanas. Além disso, ela sabia que era indigna de ser Mãe do Filho de Deus e “tomou consciência de que a melhor homenagem, a melhor maneira de agradecer e de ser fiel a tanta gratuidade era reverenciar todo aquele mistério com um silêncio total”2.

A Santíssima Virgem se achava indigna não somente de ser Mãe de Deus, mas até mesmo de comunicar tão sublime mistério, até mesmo para São José. Para não revelar este “segredo”, o mais sagrado da história da humanidade, e ser fiel a Deus, a jovem Maria estava disposta a sofrer todas as consequências: a maledicência do povo; a carta de divórcio; o apedrejamento; a marginalização social; a solidão e o abandono. Tão grande reverência e confiança, alcançou de Deus o prodígio da revelação, em sonho, não somente deste grande mistério, mas também da missão do piedoso São José, como guardião de Jesus e de Maria.

Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo sobre “A profecia de Santa Isabel”:

O silêncio da Virgem Maria, a amizade e a comunhão com Deus

A Virgem Santíssima viveu em íntima amizade e comunhão com Deus, experiência sem precedentes na história da humanidade. Nesse sentido, podemos traçar um paralelo interessante entre Eva e Maria. Enquanto a Virgem Eva ouviu a mentira da serpente, tirou conclusões absurdas, comeu o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal e o deu a seu futuro esposo, Adão (cf. Gn 3, 1-15), a Virgem Maria ouviu o anúncio da Encarnação do Verbo (cf Lc 1, 26-38), da Sabedoria Eterna, e silenciou, não comunicando-o a ninguém, nem mesmo ao também futuro esposo, José. Em virtude do sim silencioso de Maria, tem início a reconciliação da humanidade com Deus, o retorno à amizade e à comunhão, perdida por Eva e Adão, que será realizada plena e definitivamente por Jesus Cristo no mistério da Redenção.

Esta intimidade com Deus sem precedentes na história, abriu a Virgem Maria à comunhão e à amizade, também sem precedentes na história, com toda a humanidade e com cada um de nós em particular, que somos representados na figura de Isabel. Esta amizade e solicitude da Mãe de Deus para com todos e cada um de nós se faz presente desde a sua visita a Santa Isabel.

Depois de ouvir o anúncio da Encarnação do Verbo, a Virgem de Nazaré não ficou vangloriando-se da eleição divina a seu respeito. Ao contrário, ela partiu apressadamente para a casa de sua prima Isabel (cf. Lc 1, 39). Esta comunhão das duas primas realizou-se por iniciativa do próprio Deus, que revelou a elas dois milagres: a concepção em idade avançada de Isabel a Virgem Maria; e a concepção virginal de Nossa Senhora a Santa Isabel. Da mesma forma, podemos intuir a revelação dos desígnios de Deus a nosso respeito a Mãe da Igreja e a sua comunhão e solicitude para conosco, para que realizemos a vontade do Senhor. Esta amizade, comunhão e solicitude de Nossa Senhora para conosco manifesta-se também na vida de João Batista, que ainda no ventre de Santa Isabel, estremeceu de alegria ao ouvir a sua saudação (cf. Lc 1, 44).

Assista reportagem da TV Vanguarda com o tema “Londrina terá primeira igreja do mundo projetada para surdos”:

O silêncio e a solidão da Virgem Maria nos desígnios de Deus

Portanto, ao conhecer um pouco mais o mistério do silêncio e da solidão da Virgem Maria, percebemos o quanto estes foram importantes nos desígnios de Deus. Pois, ao revelar o grandioso mistério da Encarnação do Verbo às pessoas erradas, ela poderia alterar o curso da história da salvação de toda a humanidade. Dócil às inspirações divinas, a Virgem de Nazaré aprendeu, no silêncio e na solidão, a meditar em seu coração as palavras que lhe eram ditas a respeito de Jesus Cristo (cf. Lc 2, 19.51). Dessa forma, Nossa Senhora deixou-nos o segredo para realizar fielmente a vontade do Senhor em nossas vidas.

A Virgem de Nazaré viveu o silêncio e a solidão, não como uma fuga da realidade, mas como ato de profunda reverência diante de tão grande mistério, de Deus que se fez homem, que veio ao mundo para salvar os pecadores. Meditando sobre o silêncio e a solidão de Nossa Senhora, aprendemos qual deve ser nossa atitude diante de nossa vocação, independente de sermos leigos, religiosos, sacerdotes. Com Maria, aprendemos quão profunda deve ser a nossa reverência diante do mistério de Jesus Cristo em nossas vidas.

O silêncio e a solidão da Virgem Maria, longe de a isolar na sua profunda intimidade com Deus, a aproximou de forma extraordinária da humanidade, a partir daquelas pessoas que lhe eram mais próximas. Na visita da Santíssima Virgem a Santa Isabel compreendemos não somente a sua profunda amizade e comunhão conosco, mas também a sua solicitude materna, o quanto ela se faz presente naquelas ocasiões mais importantes, como esteve na casa de sua prima, que gerava em seu ventre aquele que deveria ser o precursor de seu Filho, que prepararia o caminho do Senhor (cf. Is 40, 3; Mt 3, 3). Assim, nos confiemos inteiramente a Mãe de Deus, pedindo o seu auxílio para que, a exemplo de São João Batista, preparemos um povo bem-disposto para a segunda vinda do Senhor. Nossa Senhora do Silêncio, rogai por nós!

Natalino Ueda, servo inútil de Jesus por Maria.

Oração de Frei Inácio Larrañaga: “Senhora do Silêncio”

Mãe do Silêncio e da Humildade, tu vives perdida e encontrada no mar sem fundo do Mistério do Senhor.

Tu és disponibilidade e receptividade. Tu és fecundidade e plenitude. Tu és atenção e solicitude pelos irmãos. Estás revestida de fortaleza. Resplandecem em ti a maturidade humana e a elegância espiritual. És senhora de ti mesma antes de ser nossa Senhora.

Em ti não existe dispersão. Em um ato de simples e total, tua alma, toda imóvel, está paralisada e identificada com o Senhor. Estás dentro de Deus, e Deus dentro de ti. O Mistério total te envolve e te penetra e te possui, ocupa e entrega todo o teu ser.

Parece que em ti tudo ficou parado, tudo se identificou contigo: o tempo, o espaço, a palavra, a música, o silêncio, a mulher, Deus. Tudo ficou assumido em ti, e divinizado.

Jamais se viu figura humana de tamanha doçura, nem se voltará a ver nesta terra uma mulher tão inefavelmente evocadora.

Entretanto, teu silêncio não é a ausência, mas presença. Estás abismada no Senhor e ao mesmo tempo atenta aos irmãos, como em Caná. A comunicação nunca é tão profunda como quando não se diz nada, e o silêncio nunca é tão eloquente como quando nada se comunica.

Faze-nos compreender que o silêncio não é desinteresse pelos irmãos, mas fonte de energia e de irradiação, não é encolhimento mas projeção. Faz-nos compreender que, para derramar, é preciso preencher-se.

Afoga-se o mundo no mar da dispersão, e não é possível amar os irmãos com um coração disperso. Faze-nos compreender que o apostolado, sem silêncio, é alienação, e que o silêncio, sem apostolado, é comodidade.

Envolve-nos em teu manto de silêncio e comunica-nos a fortaleza de tua fé, a altura de tua Esperança e a profundidade de teu Amor.

Fica com os que ficam e vem com os que partem.

Ó Mãe Admirável do Silêncio!3

2 INÁCIO LARRAÑAGA. O Silêncio de Maria, p. 115.

3 Idem, Evocação da capa.

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