Os fundamentos do dogma da Assunção de Maria

Saiba quais são os fundamentos bíblicos e teológicos do dogma da Assunção da Beatíssima Virgem Maria.

Neste artigo, respondemos as perguntas do leitor Kleber de Aguiar a respeito dos fundamentos do dogma da Assunção da Santíssima Virgem Maria. Na proximidade da Solenidade da Assunção de Nossa Senhora, é significativo que meditemos sobre os ensinamentos da Igreja Católica a respeito desse sublime e elevado mistério. Nesse sentido, as perguntas de nosso Leitor são muito oportunas:

Saiba quais são os fundamentos bíblicos e teológicos do dogma da Assunção da Beatíssima Virgem Maria.

Nossa Senhora da Assunção

Quais são os relatos (fontes, etc) nos quais são baseados o dogma mariano da Assunção de Nossa Senhora aos Céus e o fato Dela, Nossa Senhora, ter tido uma morte praticamente indolor (“Dormição da Beatíssima Virgem Maria”)? Como a Igreja atestou a veracidade divina dos mesmos?

Para responder essas perguntas recorremos à Tradição da Igreja, ao testemunho de teólogos e santos, ao Magistério da Igreja e às Sagradas Escrituras.

O dogma da Assunção e o testemunho dos Santos Padres

São João Damasceno (675-749), que é considerado o último dos Santos Padres, se distingue entre os propagadores dessa tradição ao comparar a Assunção gloriosa da Mãe de Deus com as suas outras prerrogativas e privilégios:

Convinha que aquela que no parto manteve ilibada virgindade conservasse o corpo incorrupto mesmo depois da morte. Convinha que aquela que trouxe no seio o Criador encarnado, habitasse entre os divinos tabernáculos. Convinha que morasse no tálamo celestial aquela que o Eterno Pai desposara. Convinha que aquela que viu o seu Filho na cruz, com o coração traspassado por uma espada de dor de que tinha sido imune no parto, contemplasse assentada à direita do Pai. Convinha que a Mãe de Deus possuísse o que era do Filho, e que fosse venerada por todas as criaturas como Mãe e Serva do mesmo Deus[1].

As palavras de João Damasceno combinam perfeitamente com as de muitos outros santos dos primeiros séculos da Igreja, que afirmam a mesma doutrina. Ademais, não são menos expressivas, nem menos exatas, as palavras que se encontram nos sermões dos Santos Padres mais antigos ou da mesma época, ordinariamente por ocasião da festividade da Assunção.

São Germano de Constantinopla (635-733), grande panegirista de Maria Santíssima, julgava que a não corrupção do corpo de Nossa Senhora e a sua Assunção aos Céus são consequências necessárias não só da sua maternidade divina, mas também da santidade singular do seu corpo virginal:

Vós, como está escrito, aparecestes “em beleza”; o vosso corpo virginal é totalmente santo, totalmente casto, totalmente domicílio de Deus de forma que até por este motivo foi isento de desfazer-se em pó; foi, sim, transformado, enquanto era humano, para viver a vida altíssima da incorruptibilidade; mas agora está vivo, gloriosíssimo, incólume e participante da vida perfeita[2].

Outro escritor antiquíssimo assegurava: “A gloriosíssima Mãe de Cristo, Deus e Salvador nosso, doador da vida e da imortalidade, foi glorificada e revestida do corpo na eterna incorruptibilidade, por aquele mesmo que a ressuscitou do sepulcro e a chamou a si duma forma que só ele sabe”[3].

À medida que a festa litúrgica da Assunção da Santíssima Virgem se espalhava e era celebrada mais devotamente, aumentava o número de bispos e oradores sagrados que julgaram ser seu dever explicar com toda a clareza esse mistério que se venerava nesta solenidade, e mostrar como este estava intimamente relacionado com outras verdades reveladas.

O dogma da Assunção e o testemunho dos teólogos e dos santos

Muitos teólogos e pregadores, seguindo os passos dos Santos Padres serviram-se de fatos e textos das Sagradas Escrituras para explicar a sua fé no mistério da Assunção da Virgem Maria. Nas palavras do Salmista: “Erguei-vos, Senhor, para o vosso repouso, vós e a Arca de vossa santificação” (Sl 131, 8); e na Arca da Aliança, feita de madeira incorruptível e colocada no templo de Deus, eles viam como que uma imagem do corpo puríssimo da Mãe de Deus, preservado da corrupção do sepulcro e elevado glória celeste.

Da mesma forma, as Escrituras descrevem a entrada triunfal da Rainha Mãe, e como se sentará a direita do seu Filho: “Filhas de reis formam vosso cortejo; posta-se à vossa direita a rainha, ornada de ouro de Ofir. […] Toda formosa, entra a filha do rei, com vestes bordadas de ouro. […] Levadas entre alegrias e júbilos, ingressam no palácio real.” (Sl 44, 10.14-16). Além disso, recordam a esposa do Cântico dos Cânticos, “que sobe pelo deserto, como uma coluna de mirra e de incenso” para ser coroada (Ct 3, 6; cf. 4, 8; 6, 9). Essas passagens são como que imagens daquela Rainha e Esposa celestial, que sobe aos Céus para encontrar-se com o seu divino Esposo.

Os doutores escolásticos vislumbram igualmente a Assunção da Santíssima Virgem não só em várias figuras do Antigo Testamento, mas também naquela “mulher revestida de sol” (Ap 12, 1ss.), que o apóstolo São João contemplou na ilha de Patmos. Entre os textos do Novo Testamento, os teólogos consideraram e examinaram com particular cuidado as palavras do Anjo a Virgem de Nazaré: “Ave, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres” (Lc 1, 28); e viram no mistério da Assunção o complemento daquela plenitude de graça, concedida a Nossa Senhora, e uma bênção singular em oposição à maldição de Eva (cf. Gn 3, 16).

São Francisco de Sales nos ensina que não podemos duvidar que Jesus Cristo cumpriu do modo mais perfeito o divino mandamento que obriga os filhos a honrar os pais. A esse respeito, o Santo pergunta e nos ajuda a refletir: “Que filho haveria, que, se pudesse, não ressuscitava a sua mãe e não a levava para o céu?”[4] Santo Afonso Maria de Ligório, por sua vez, afirma: “Jesus não quis que o corpo de Maria se corrompesse depois da morte, pois redundaria em seu desdouro que se transformasse em podridão aquela carne virginal de que ele mesmo tomara a própria carne”[5].

Há quem seja da opinião de que Nossa Senhora não morreu, mas apenas “dormiu”. Há também quem diga que a Mãe de Deus morreu, mas teve uma morte indolor. A Igreja não quis entrar no mérito dessa última questão, se a Virgem Maria passou pela dor ou não, mas a fé da Igreja é que ela passou pela morte. Pois, tanto o Filho de Deus quanto a sua Mãe Santíssima possuíam todas as características da fragilidade de nossa condição humana. Sendo assim, qual seria a causa da morte da Mãe de Deus? São Francisco de Sales e Santo Afonso nos dizem que a Virgem Maria passou pela “morte de amor”[6].

Ouça programa do Padre Paulo Ricardo sobre “A morte da Virgem Maria”:

O dogma da Assunção e as Sagradas Escrituras

Todos os argumentos e razões dos Santos Padres e dos teólogos e pregadores apoiam-se, em última análise, nas Sagradas Escrituras. Estas nos apresentam a Virgem Mãe de Deus extremamente unida ao seu Filho Jesus Cristo e sempre participante da sua sorte. Sendo assim, para quem tem fé, é praticamente impossível pensar que aquela que concebeu, deu à luz, alimentou com o seu leite o Verbo de Deus encarnado e o teve nos braços, apertou contra o peito, estivesse agora, depois dos indizíveis sofrimentos que passou na vida terrena, separada dele, se não quanto à alma, ao menos quanto ao corpo. Pois, o Filho de Deus é também filho de Maria e, como observador perfeitíssimo da lei divina, não podia deixar de honrar a sua Mãe amantíssima, logo depois do Eterno Pai. Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, podia adornar sua Mãe Santíssima com a glória da Assunção, preservando-a da corrupção do sepulcro, por isso, devemos crer que Ele realmente o fez.

Devemos ter em mente que a partir do século II os Santos Padres já apresentavam a Virgem Maria como nova Eva, sujeita sim, mas intimamente unida a Jesus Cristo, o novo Adão, na luta contra Satanás. Essa luta, prevista no Protoevangelho (cf. Gn 3, 15), acabaria com a vitória completa sobre o pecado e sobre a morte, conforme podemos ler nos escritos do Apóstolo São Paulo (cf. Rm 5; 6; 1 Cor 15, 21-26; 54-57). Da mesma forma que a ressurreição gloriosa de Cristo constituiu parte essencial e coroamento desta vitória, assim também a vitória de Nossa Senhora, comum com a do seu Filho, devia terminar pela glorificação do seu corpo virginal. Pois, como diz ainda o Apóstolo dos gentios, “quando este corpo corruptível estiver revestido da incorruptibilidade, e quando este corpo mortal estiver revestido da imortalidade, então se cumprirá a palavra da Escritura: ‘A morte foi tragada pela vitória’ (Is 25, 8)” (1Cor 15,54-55a).

Assim, a augustíssima Mãe de Deus, associada a Jesus Cristo de modo insondável desde toda a eternidade “com um único decreto”[7] de predestinação, imaculada na sua concepção, sempre virgem, na sua maternidade divina, generosa companheira do divino Redentor, que obteve triunfo completo sobre o pecado e suas consequências, alcançou, por fim, como suprema coroa dos seus extraordinários privilégios, que fosse preservada da corrupção do sepulcro, e que, à semelhança do seu divino Filho, vencida a morte, fosse levada em corpo e alma ao Reino dos Céus, onde refulge como Rainha à direita do seu Filho, Rei imortal dos séculos (cf. 1 Tm 1, 17).

Sendo esta a fé da Igreja Católica, no dia 1º de Novembro de 1950, o Papa Pio XII pronunciou, declarou e definiu ser dogma divinamente revelado que: “a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial”[8].

Nossa Senhora da Assunção, rogai por nós!

Links relacionados:

TODO DE MARIA. A Assunção de Nossa Senhora aos Céus.

TODO DE MARIA. A Assunção da Virgem Maria ao Reino dos Céus.

TODO DE MARIA. O mistério da Assunção de Nossa Senhora.

Referências:


[1]  SÃO JOÃO DAMASCENO. Encomium in Dormitionem Dei Genetricis semperque Virginis Mariae, hom. II, 14. In PAPA PIO XII. Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, 21.

[2]  SÃO GERMANO. Const., In Sanctae Dei Genitricis Dormitionem, sermo 1. In PAPA PIO XII. Op. cit., 22.

[3]  Encomium in Dormitionem Sanctissimae Dominae nostrae Deiparae semperque Virginis Mariae [atribuído a S. Modesto de Jerusalém] n. 14. In PAPA PIO XII. Op. cit., 22.

[4]  SÃO FRANCISCO DE SALES. Oeuvres de S. François de Sales, Sermon autographe pour la fête de l’Assomption. In PAPA PIO XII. Op. cit., 35.

[5]  SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Glórias de Maria, parte II, disc. 1. In PAPA PIO XII. Op. cit., 35.

[6]  Cf. SÃO FRANCISCO DE SALES. Tratado do Amor de Deus, livro 7, cap. 13-14; SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Glórias de Maria. In PADRE PAULO RICARDO. Nossa Senhora da Glória.

[7]  PAPA PIO IX. Bula Ineffabilis Deus, l.c, p. 599.

[8]  PAPA PIO XII. Op. cit., 44.

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