Por que chamamos Nossa Senhora de Rainha?

Saiba por que chamamos Nossa Senhora de Rainha; quais são as origens bíblicas e as razões teológicas deste título.

O título de Nossa Senhora Rainha está intimamente ligado com a realeza de seu Filho Jesus Cristo. O Papa Pio XI, na Carta Encíclica Quas Primas, recordou-nos um precioso ensinamento da Igreja a respeito da pessoa de Cristo: Ele é Rei do Universo[1]. Justamente nesta realeza universal do Filho de Deus se fundamenta a tradição da Igreja de atribuir a Santíssima Virgem Maria o título de Rainha, cuja festa foi instituída pelo seu sucessor, o venerável Papa Pio XII. Ademais, esta tradição a respeito da realeza de Nossa Senhora tem suas raízes mais profundas nas Sagradas Escrituras.

Saiba por que chamamos Nossa Senhora de Rainha; quais as origens bíblicas e as razões teológicas deste título.

A coroação da Virgem, de Annibale Carracci, Itália, 1595.

Se Jesus, Deus feito homem, é o Rei, o Messias, profetizado e exaltado desde o Antigo Testamento, Maria é a Rainha Mãe, a figura maternal, que aparece junto dos reis nas Escrituras. O Povo de Israel conhecia as passagens a respeito da figura da Rainha Mãe. Por isso, os apóstolos e discípulos de origem judaica facilmente compreenderam a importância da figura da Mãe de Deus no desígnio divino da salvação e transmitiram esse conhecimento aos demais cristãos.

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A origem bíblica da figura da Rainha Mãe

A figura da Rainha Mãe surge pela primeira vez na história do Povo de Deus na descendência da casa da Davi, nos reinados que o sucederam. Salomão, filho de Davi, ao ser entronizado como rei, determinou que sua mãe, Betsabé, sentasse à sua direita: “Betsabé foi, pois, ter com o rei para falar-lhe em favor de Adonias. O rei levantou-se para ir-lhe ao encontro, fez-lhe uma profunda reverência e sentou-se no trono. Mandou colocar um trono para a sua mãe, e ela sentou-se à sua direita” (1 Rs 2, 19).  Depois da morte de Salomão, houve uma divisão do Povo de Deus. O Reino do Norte se separou do Reino do Sul e, por isso, perdeu a descendência de Davi.

No Reino do Sul, também chamado de Reino de Judá, o rei sempre reinava juntamente com sua mãe. “Os 20 reis descendentes de Davi – que vieram após Salomão – sempre são lembrados junto com suas mães. Isso comprova a afirmação feita anteriormente: Sim, a Rainha Mãe é uma instituição típica da Casa de Davi”[2]. Esta tradição estava tão enraizada na cultura do Reino de Judá, que a mãe do rei recebia um título próprio, em hebraico: gebirah, que significa Rainha Mãe. Este nome aparece nada menos que treze vezes no Antigo Testamento, quando o texto diz respeito à Rainha Mãe. Esta tradição não era exclusividade do Povo de Israel. No Egito e em outros povos da região também havia esse costume. Dessa forma, compreendemos a importância da figura da Rainha Mãe para a história da humanidade e também para a interpretação correta das profecias sobre o Messias, o verdadeiro herdeiro do trono de Davi (cf. Lc 1, 32).

Talvez a expressão mais bela dessa tradição seja o Salmo 44, que ao diz respeito ao Rei Salomão e menciona a gebirah, a Rainha Mãe: “Filhas de reis formam vosso cortejo; posta-se à vossa direita a rainha, ornada de ouro de Ofir” (Sl 44, 10). Essa tradição foi mantida no Reino do Sul até o exílio na Babilônia. Depois desse tempo, não houve mais rei e o povo judeu passou a esperar a vinda o Messias, do novo Filho de Davi, o Rei dos Judeus.

Ouça programa do Padre Paulo Ricardo com o tema “A Virgem que muito amou”:

O novo Rei, da descendência de Davi, e a nova Rainha Mãe

As figuras históricas do Rei e da Rainha Mãe, que vemos no Antigo Testamento, ajudam-nos a compreender o Reino de Jesus Cristo e da Virgem Maria, a verdadeira Rainha Mãe, para quem também foi colocado um trono à direita de seu Filho no Reino dos Céus. A própria Virgem de Nazaré, quando o Arcanjo São Gabriel disse-lhe que seria Mãe do Filho do Altíssimo e que o Senhor Deus lhe daria o trono de seu pai, o Rei Davi; que Ele reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu Reino não terá fim (cf. Lc 1, 32-33), ela tomou consciência de que seria a Rainha Mãe. No entanto, a maioria das pessoas a maioria das pessoas não reconheceram Jesus como o Rei dos judeus, o Messias, e muito menos a Virgem de Nazaré como a Rainha Mãe.

Apesar da nobreza, Jesus Cristo e a Virgem Maria não tiveram um palácio, nem súditos. Ao contrário, Jesus e Maria viveram em Nazaré a pobreza e a simplicidade, que também eram traços marcantes da vida de São José, o carpinteiro, que era o guardião da Sagrada Família (cf. Mt 13, 55; Mc 6, 3). Pois, o verdadeiro Reino de Deus e da Virgem Maria se dará apenas no Céu, pois não pertence a este mundo, como disse o próprio Jesus: “O meu Reino não é deste mundo” (Jo 18, 36). No livro do Apocalipse de São João, já temos imagens desse Reino. Numa delas, Nossa Senhora é descrita como uma rainha: “Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas” (Ap 12, 1).

Segundo a Tradição da Igreja e a sagrada Liturgia, o principal argumento que fundamenta a dignidade régia da Virgem Maria é, sem dúvida, o sublime mistério da maternidade divina. Como vimos acima a respeito do Filho da Virgem de Nazaré, as Sagradas Escrituras nos dizem: “Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc 1, 32-33); Nelas, a Virgem também é chamada de “a Mãe do Senhor” (Lc 1, 43). “Daqui se segue logicamente que Maria é rainha, por ter dado a vida a um Filho, que no próprio instante da sua concepção, mesmo como homem, era rei e senhor de todas as coisas, pela união hipostática da natureza humana com o Verbo”[3]. Consequentemente, a Santíssima Virgem: “‘Tornou-se verdadeiramente senhora de toda a criação, no momento em que se tornou Mãe do Criador’. E assim o arcanjo Gabriel pode ser chamado o primeiro arauto da dignidade real de Maria”[4].

São Gregório Nazianzeno chamava Maria Santíssima de “Mãe do Rei de todo o universo”, pois ela é a “Mãe virgem, [que] deu à luz o Rei do todo o mundo”. Prudêncio dizia que Nossa Senhora se maravilha “de ter gerado a Deus não só como homem mas também como sumo rei”[5]. Além desses e outros inumeráveis testemunhos dos inícios da Santa Igreja, os teólogos mais recentes também chamaram a Mãe de Deus “rainha de todas as coisas criadas, rainha do mundo e senhora do universo”[6].

A Virgem Maria é nossa Rainha, não somente pelo fato de ser Mãe de Deus, mas também pela sua participação singular na obra da Salvação da humanidade. Na obra da Redenção, Nossa Senhora associou-se intimamente a seu Filho Jesus Cristo e, por isso, justamente cantamos na sagrada Liturgia: “Santa Maria, rainha do céu e senhora do mundo, estava traspassada de dor, ao pé da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”[7]. Da mesma forma que Cristo, pelo título particular da Redenção, é nosso Senhor e nosso Rei, assim a Virgem Maria é nossa Rainha e nossa Senhora, pela sua singular participação no mistério da nossa Redenção, “subministrando a sua substância e oferecendo voluntariamente por nós o Filho Jesus, desejando, pedindo e procurando de modo singular a nossa salvação”[8].

A exortação do Papa Pio XII à devoção mariana

A festa litúrgica de Nossa Senhora Rainha foi instituída pelo Papa Pio XII em 11 de outubro do ano de 1954 – ao coroar a Virgem Santíssima na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, na Itália – através da Carta Encíclica Ad Caeli Reginam. A Festa foi inicialmente celebrada no dia 31 de Maio. No entanto, posteriormente a celebração passou a ser na oitava da Solenidade da Assunção, para manifestar a estreita ligação entre a realeza de Nossa Senhora e a sua Assunção aos Céus. Nesse magnífico documento sobre a dignidade e a realeza de Maria Santíssima, o Sumo Pontífice exortou-nos a prática da devoção mariana:

Procurem pois todos, e agora com mais confiança, aproximar-se do trono da misericórdia e da graça, para pedir à nossa Rainha e Mãe socorro na adversidade, luz nas trevas, conforto na dor e no pranto; e, o que é mais importante, esforcem-se por se libertar da escravidão do pecado, e prestem ao cetro régio de tão poderosa Mãe a homenagem duradoura da devoção filial. Frequentem as multidões de fiéis os seus templos e celebrem-lhe as festas; ande nas mãos de todos a piedosa coroa do terço; e reúna a recitação dele – nas igrejas, nas casas, nos hospitais e nas prisões – ora pequenos grupos, ora grandes assembleias, para cantarem as glórias de Maria. Honra-se o mais possível o seu nome, mais doce do que o néctar e mais valioso que toda a pedra preciosa; ninguém ouse o que seria prova de alma vil – pronunciar ímpias blasfêmias contra este nome santíssimo, ornado de tanta majestade e venerável pelo carinho próprio de mãe; nem se atreva ninguém a dizer nada que seja irreverente.

Com vivo e diligente cuidado todos se esforcem por copiar nos sentimentos e nos atos, segundo a própria condição, as altas virtudes da Rainha do céu e nossa Mãe amantíssima. Donde resultará que os féis, venerando e imitando tão grande Rainha e Mãe, virão se sentir verdadeiros irmãos entre si, desprezarão a inveja e a cobiça das riquezas, e hão de promover a caridade social, respeitar os direitos dos fracos e fomentar a paz. Nem presuma alguém ser filho de Maria, digno de se acolher à sua poderosíssima proteção, se a exemplo dela não é justo, manso e casto, e não mostra verdadeira fraternidade, evitando ferir e prejudicar, e procurando socorrer e dar ânimo[9].

Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo sobre a “Memória de Nossa Senhora Rainha”:

A Virgem Maria, Rainha e Medianeira da paz

No tempo em que o Papa Pio XII instituiu a festa de Nossa Senhora Rainha, em algumas regiões da Terra, havia perseguições contra os cristãos e muitos se viam privados dos direitos divinos e humanos da liberdade. Hoje, além desse tipo de perseguição, há também a perseguição moral e ideológica contra os cristãos, especialmente contra a Igreja Católica e o clero. Sendo assim, como pediu o Sumo Pontífice aos fiéis naquele tempo, clamemos a Rainha da Paz que volte os seus olhos de misericórdia a esses filhos inocentes e atormentados, cuja luz dissipa nuvens e serena tempestades. Supliquemos a poderosa Senhora dos acontecimentos e dos tempos, que sabe vencer a maldade com o seu pé virginal (cf. Gn 3, 15). Peçamos a Virgem Santíssima que conceda aos nossos irmãos em Cristo que vivem nas áreas mais atingidas pela perseguição, como a Coreia do Norte, o Iraque, a Eritreia, o Afeganistão, poderem em breve gozar a devida liberdade, cumprir publicamente os deveres religiosos e servir a causa do Evangelho.

A festa de Nossa Senhora Rainha foi instituída para que reconheçamos mais claramente e melhor honremos o clemente e materno império da Mãe de Deus. O Santo Padre instituiu a festa pensando que esta pode contribuir para que se conserve, consolide e torne perene a paz dos povos, ameaçada quase todos os dias por acontecimentos que nos enchem de ansiedade. Por isso, de nossa parte, precisamos prestar a devida honra, invocar a Rainha dos Céus e fazer o que estiver ao nosso alcance para que a paz aconteça, como bem exortou o Sumo Pontífice:

Todo aquele que honra a Senhora dos anjos e dos homens – e ninguém se julgue isento deste tributo de reconhecimento e amor – invoque esta rainha, medianeira da paz; respeite e defenda a paz, que não é maldade impune nem liberdade desenfreada, mas concórdia bem ordenada sob o signo e comando da divina vontade: tendem a protegê-la e aumentá-la as maternas exortações e ordens de Maria[10].

O Papa Pio XII desejou ardentemente que a Virgem Maria, Rainha e Mãe do povo cristão, acolhesse estas intenções, alegrasse com a sua paz as terras sacudidas pelo ódio, e a todos nós, depois deste exílio, mostrasse a Jesus, que será na eternidade nossa paz e alegria. Que Nossa Senhora, Rainha e Medianeira da paz, ouça os nossos clamores e nos conceda, senão neste mundo, na glória futura, a felicidade e a paz. Nossa Senhora Rainha, rogai por nós!

Oração revelada ao Bem-aventurado Padre Louis-Edouard Cestac:

Augusta Rainha dos céus, soberana mestra dos anjos, vós que, desde o princípio, recebestes de Deus o poder e a missão de esmagar a cabeça de Satanás, nós vo-lo pedimos humildemente, enviai vossas legiões celestes para que, sob vossas ordens, e por vosso poder, elas persigam os demônios, combatendo-os por toda a parte, reprimindo-lhes a insolência, e lançando-os no abismo. Quem é como Deus? Ó Mãe de bondade e ternura, vós sereis sempre o nosso Amor e a nossa esperança. Ó Mãe Divina, enviai os Santos Anjos para nos defenderem, e repeli para longe de nós o cruel inimigo. Santos anjos e arcanjos defendei-nos e guardai-nos. Amém.

Natalino Ueda, servo de Jesus por Maria.

Links relacionados:

PADRE PAULO RICARDO. A realeza de Maria Santíssima.

PADRE PAULO RICARDO. Augusta Rainha dos céus.

TODO DE MARIA. Maria, Rainha do Céu e Mãe de Misericórdia.

Referências:

[1]  Cf. PAPA PIO XI. Carta Encíclica Quas Primas, 13.

[2]  PADRE PAULO RICARDO. Por que nós chamamos a Virgem Maria de Rainha e de Senhora?

[3]  PAPA PIO XII. Op. cit., 33.

[4]  Idem, ibidem.

[5]  PAPA PIO XII. Carta Encíclica Ad Caeli Reginam, 11. Cf. S. Gregorio Naz., Poemata dogmatica, XVIII, v. 58: P G. XXXVII, 485; cf. Prudêncio, Dittochoeum, XVII; PL 60,102A.

[6]  Idem, 21.

[7]  Idem, 35. Festa aeptem dolorum B. Mariae Virg., Tractus.

[8]  Idem, ibidem.

[9]  Idem, 46-47.

[10]  Idem, 49.

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