A consagração a Maria e a vida de oração

Saiba o que muda depois da consagração a Virgem Maria em nossa vida de oração, em nossa relação com os santos, os anjos e a Santíssima Trindade.

Muitas pessoas pensam que depois da consagração a Santíssima Virgem Maria a nossa vida de oração se resumirá a nos dirigir a ela somente, que não poderemos recorrer aos nossos santos de devoção, aos santos anjos, ao nosso Anjo da Guarda, e até mesmo que não poderemos nos dirigir diretamente a Deus. Outras pessoas ficam em dúvida se poderão ou não continuar com as suas devoções. Será que, depois da consagração, não poderemos mais fazer orações aos santos, aos anjos e ao próprio Deus?

Saiba o que muda depois da consagração a Virgem Maria em nossa vida de oração, em nossa relação com os santos, os anjos e a Santíssima Trindade.

São Luís Maria Grignion de Montfort

Responder essa questão é de suma importância para que vivamos bem a nossa oração pessoal e também comunitária. Pois, além das orações e devoções pessoais que cada um de nós tem, somos membros de comunidades. Nelas há muitas orações e devoções que fazem parte da espiritualidade comunitária e são feitas em grupo. Como conciliar as devoções com a consagração total a Nossa Senhora?

Os consagrados a Virgem Maria podem ter devoções aos santos?

Ao fazer a consagração a Jesus por Maria, muitos de nós ficamos com dúvidas se podemos ou não ter devoções aos santos. Pois, estamos fechados nos limites do amor humano. Num namoro ou em um casamento, quando nos aproximamos da pessoa amada, por vezes deixamos um pouco de lado pessoas importantes, familiares, grandes amizades, ainda que inconscientemente, mesmo que as amemos. Isso acontece porque somos humanos, compostos de corpo e alma, limitados pelo tempo e pelo espaço. Quando estamos com uma pessoa e damos atenção a ela, não podemos estar com outra, dando total atenção. Na consagração, quando nos entregamos inteiramente a Santíssima Virgem, isso não acontece porque quando nos unimos a ela, nos unimos mais intimamente a Jesus Cristo e participamos mais plenamente da comunhão dos santos. Esta é uma realidade espiritual que rompe as barreiras do tempo e do espaço para entrar na esfera do amor infinito, que é Deus. Dessa forma, nossa devoção aos santos não atrapalha minimamente, mas, ao contrário, favorece a nossa intimidade com Jesus e Maria.

Nossa Senhora nada retém para si do amor e das boas obras que lhe entregamos. Tudo ela remete fielmente a Jesus. Se nós damos algo a ela, damos necessariamente a Jesus. “Se a louvamos e glorificamos, logo ela louva e glorifica a Jesus”[1]. De modo semelhante, os santos nada retêm para si mesmos das orações, dos louvores, das venerações que de nós recebem, mas tudo entregam a Santíssima Virgem, para que ela entregue fielmente ao seu Filho. Nossa Senhora é Rainha de todos os santos. Por isso, eles têm o dever de entregar a ela nossas orações e disso se comprazem. Além disso, sabem que, dessa forma, são mais humildes, amam e agradam mais o Filho de Deus do que se a Ele recorressem diretamente. O mesmo acontece quando recorremos aos santos. Isto agrada Jesus e Maria, pois estamos sendo humildes, pedindo por intermédio deles as graças que necessitamos.

São João Batista Maria Vianney é um bom exemplo de um homem de profunda intimidade com Deus, com a Virgem Maria e com os santos. Também conhecido como Cura d’Ars, o Santo era consagrado a Santíssima Virgem e tinha grande devoção aos santos, especialmente a Santa Filomena, a quem chamava de “querida Santinha”. Tanto que foi o maior difusor do uso do Cordão de Santa Filomena[2] e da devoção a esta santa dos primeiros séculos da Igreja, que ficou conhecida em pouco tempo por toda a França.

O Santo tinha grande intimidade com Filomena e recebia dela muitos favores: “A Santa aparecia-lhe, conversava com ele, e tudo lhe concedia satisfazendo as suas preces. Ele tratava-a pelos mais carinhosos nomes; e ela comprazia-se em lhe prodigalizar as mais assombrosas graças”[3]. O Padre Vianney era um taumaturgo extraordinário, realizava curas prodigiosas, mas estas, longe de lhe causar a mínima sombra de vaidade, eram para ele a maior cruz que carregava. Talvez por isso, atribuía todas as curas a Santa Filomena: “O seu costume era atribuir a culpa de tudo a Santa Filomena – ‘Foi Santa Filomena. O meu desejo era que ela fizesse os seus milagres fora daqui’, – dizia ele com um sorriso”[4].

O Santo Cura d’Ars era um homem abrasado de amor por Jesus Cristo e pela Virgem Maria. Entretanto, este amor não o afastava de suas devoções pessoais. Ao contrário, o fazia ter um amor ainda maior pelos santos, especialmente por Santa Filomena! Por sua vez, este amor também não o fazia amar menos, mas fazia o coração do Santo arder ainda mais de amor por Jesus e Maria.

Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo sobre O santo sacerdócio de João Maria Vianney”:

Os escravos de amor de Jesus e de Maria podem ter devoções aos anjos?

Muitos de nós católicos temos devoções aos santos anjos, principalmente ao Anjo da Guarda, a São Miguel, a São Rafael, a São Gabriel. De modo semelhante à devoção aos santos, não somente podemos, mas devemos ter devoção aos anjos, especialmente ao nosso Anjo da Guarda. São Pio de Pietrelcina nutria grande devoção aos santos anjos, principalmente ao seu Anjo da Guarda e, como São João Maria Vianney, era consagrado a Santíssima Virgem. Desde a sua infância, não somente tinha devoção ao seu Anjo da Guarda, mas o via frequentemente e conversava com ele. Isso era tão normal para ele que pensava que todos viam seus Anjos da Guarda. O Santo também recomendava aos seus dirigidos espirituais esta devoção, como no seguinte trecho de uma carta a uma moça chamada Anita: “Pelo amor de Deus, não se esqueça desse companheiro invisível [o Anjo da Guarda], sempre presente, sempre disposto a nos escutar e pronto para nos consolar. Ó deliciosa intimidade! Ó deliciosa companhia! Se pudéssemos pelo menos compreender isso…!”[5]

Padre Pio era tão íntimo do seu Anjo da Guarda que pedia o seu auxílio para difundir a devoção a Virgem Maria: “Gostaria de ter uma voz muito alta para convidar os pecadores de todo o mundo a amar Nossa senhora. Mas, como isso não está em meu poder, orei e continuarei a orar ao meu anjinho para que faça isso por mim”[6].

O Santo Padre Pio também se beneficiou desde a infância da companhia de São Miguel Arcanjo. Pois, sua luta contra Satanás e o seu exército do mal começou quando ainda era criança. Ele sempre recebeu a ajuda de São Miguel também em seu apostolado. O Arcanjo era o seu guia para anunciar a verdade de Jesus Cristo e para desmascarar as mentiras que Satanás espalha pelo mundo, para a destruição das almas. Por estas razões, Padre Pio desejava que São Miguel fosse conhecido como uma expressão do amor infinito de Deus, um exemplo superlativo de fé absoluta no Todo-Poderoso, especialmente pelos seus devotos e filhos espirituais. “Queria que todos pedissem a proteção do arcanjo vigilante e poderoso contra os enganos e as tentações de Satanás, que está sempre à espreita de todos. Ele queria que as pessoas se voltassem para São Miguel como um intercessor poderoso diante de Deus”[7].

Tendo em vista o desejo de São Pio de que essa devoção fosse propagada, Vincenzo Comodo, professor de Sociologia no Pontifício Ateneu Regina Apostolorum, de Roma, criou uma exposição itinerante chamada “A devoção especial do Padre Pio a São Miguel Arcanjo”. A amostra é composta de várias telas, que representam a presença de São Miguel na vida de Padre Pio desde a infância. A exposição conta testemunhos importantes de alguns dos seus filhos espirituais que receberam do Santo a indicação desta devoção tão especial.

Padre Pio prezava tanto esta devoção ao Arcanjo que costumava dizer para todos os seus devotos e dirigidos espirituais: “Vão cumprimentar São Miguel e se colocar sob a proteção dele”[8]. O Santo de Pietrelcina nos ensina não somente que podemos ter devoção aos santos anjos, mas também incentiva a nossa devoção a esses seres angelicais, especialmente ao Anjo da Guarda e ao Arcanjo São Miguel.

Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo sobre Padre Pio e ‘la Madonna’”:

Os consagrados a Nossa Senhora podem rezar diretamente a Deus?

Se a consagração a Virgem Maria não nos atrapalha minimamente as devoções aos santos e aos anjos, mas, ao contrário, as favorece, muito mais esta favorecerá a nossa união com a Santíssima Trindade. A esse respeito, São Luís Maria Grignion de Montfort, no seu livro “Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem”, diz que: “É pois necessário que Maria seja conhecida mais do que nunca, para maior conhecimento e glória da Santíssima Trindade”[9]. A consagração facilita esse conhecimento, que não se limita ao conhecimento intelectual de Deus, que em si é muito bom, mas diz respeito também à nossa intimidade com o Senhor, especialmente na oração.

São Luís Maria nos ensina que a consagração, ou escravidão de amor, é um caminho fácil, curto, perfeito e seguro para chegar à união com Deus, na qual consiste a perfeição cristã: esta devoção é um caminho fácil, que Jesus Cristo abriu ao vir até nós, e onde não se encontra obstáculo algum para chegar até Ele[10]; “esta devoção a Santíssima Virgem é um caminho curto para encontrar Jesus Cristo, quer porque ninguém se perde nele, quer porque […] se avança por ele com mais alegria e facilidade e, portanto, com mais prontidão”[11]; a consagração é um caminho perfeito para ir a Jesus Cristo e para nos unir a Ele, porque Maria Santíssima é a mais perfeita e a mais santa das puras criaturas[12]. O Filho de Deus escolheu o meio mais perfeito para vir até nós e podemos escolher este mesmo caminho para nos unir a Ele; a escravidão de amor é um meio seguro para ir a Jesus Cristo, primeiramente porque já é um caminho conhecido e bem sucedido na Igreja Católica, pelo menos desde o início da Idade Média[13]. Por fim, a consagração a Jesus por Maria é um caminho seguro também porque é próprio da Santíssima Virgem conduzir-nos com segurança a Ele, como é próprio de Jesus conduzir-nos seguramente ao Eterno Pai[14].

Quando fazemos a consagração e a vivemos fielmente, adentramos no novo Templo do Senhor, que é a Mãe de Deus, e nele temos acesso a Santíssima Trindade:

O Espírito Santo, pela boca dos Santos Padres, também chama a Santíssima Virgem de:

1º A Porta Oriental, por onde o grande sacerdote Jesus Cristo entra e sai do mundo (Ez 44, 2-3): Por Ela entrou da primeira vez, e por Ela virá da segunda;

2º O Santuário da Divindade, o Repouso da Trindade Santíssima, o Trono de Deus, a Cidade de Deus, o Altar de Deus, o Templo de Deus, o Mundo de Deus. Todos estes diferentes epítetos e louvores são muito verdadeiros, atendendo às diversas maravilhas e graças que o Altíssimo operou em Maria.

Oh! Que riquezas! Oh! Que glória! Oh! Que prazer! Oh! Que felicidade poder entrar e permanecer em Maria, onde o Altíssimo colocou o Trono da sua Glória Suprema![15]

A escravidão de amor não impede que nos aproximemos do Senhor, mas ao contrário, nos aproxima ainda mais, pois nos dirigimos a Ele na companhia de Nossa Senhora. Dessa forma, se formos fiéis na vivência da consagração, nossa vida espiritual certamente progredirá e nossa intimidade com Deus, na vida de oração e na prática da caridade, será cada vez mais intensa e frutuosa.

Quais são os benefícios da consagração a Virgem Maria?

Assim, longe de fazer com que nos afastemos de nossas devoções aos anjos e aos santos, a consagração a Santíssima Virgem Maria nos aproxima ainda mais desses nossos amigos, que estão na glória do Reino dos Céus. A escravidão de amor também não nos impede de dirigir-nos ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Ao contrário, quando estamos em Maria, nos encontramos com a Santíssima Trindade, que nela habita. Por isso, a consagração é um auxílio extraordinário para entrarmos em contato com Deus através da oração.

Depois da consagração, não somente podemos dirigir diretamente nossas orações aos santos, aos anjos e ao próprio Deus, mas devemos rezar aos Céus pedindo os auxílios, as graças necessárias. Estas orações serão ainda mais eficazes, pois contamos com a presença materna da Virgem Maria de um modo extraordinário! Além disso, a oração nos coloca na comunhão dos santos, na qual acontece a relação de amor que foi estabelecida entre o Céu e a Terra pelo Verbo de Deus humanado. Dessa forma, a oração, ainda que feita aos anjos e santos, é uma forma sublime de entrarmos em contato com o amor infinito de Deus.

Poderíamos terminar por aqui, mas ficaria a impressão que muito pouca coisa mudou em nossa vida de oração depois da consagração. Dessa forma, talvez pensássemos que a escravidão de amor somente nos faz mais próximos dos santos, dos anjos e da Santíssima Trindade e favorece a nossa oração e comunhão. No entanto, a nossa vida de oração tem outra mudança, que se dá na aplicação dos valores de nossas orações. Quando nos consagramos, entregamos todos os nossos bens espirituais a Santíssima Virgem. Dessa forma, os valores satisfatório e meritório de nossas orações passam a pertencer a ela. Por isso, não podemos mais oferecer as nossas orações por causas ou pessoas. Todavia, isso não impede que coloquemos intenções as nossas orações.

A princípio, o fato de não podermos oferecer o valor de nossas orações pode parecer uma grande desvantagem para quem faz a consagração e para a pessoa ou causa pela qual rezamos. Entretanto, apesar do valor satisfatório de nossas orações não nos pertencer e poder ser usado para outra pessoa ou causa, esta pobreza espiritual é muito favorável para nos fazer crescer na virtude da caridade. Além disso, a Virgem Maria certamente nos cumulará generosamente dos bens celestes, muito mais do que os pedimos, se rezamos a ela com profundo desprendimento espiritual. Quanto ao valor meritório, apesar de o entregarmos a Nossa Senhora, este não é comunicado a ninguém. Nossos méritos estarão em poder de Maria, para que ela conserve, aumente e aperfeiçoe[16].

Portanto, a consagração a Santíssima Virgem é um auxílio extraordinário para a espiritualidade católica. Depois de nos consagrar, nossas devoções aos anjos e aos santos serão ainda mais fervorosas. Nosso contato com Deus será muito mais íntimo, pois nos apresentaremos diante do trono da Santíssima Trindade na companhia da Virgem Maria. Além disso, nossa vida de oração será cada vez mais purificada de todo afeto sensível, para que façamos a experiência de um amor mais autêntico, enraizado na fé: “O meu justo viverá da Fé!” (Hb 10, 38).

Natalino Ueda, escravo inútil de Jesus em Maria.

Links relacionados:

PADRE PAULO RICARDO. Maria e a nossa vida de oração.

TODO DE MARIA. As práticas da consagração a Nossa Senhora.

TODO DE MARIA. Como entregar meus bens espirituais a Maria?

TODO DE MARIA. O consagrado a Maria pode pedir em suas orações?

Referências:


[1]  SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem, 148.

[2]  Cf. CATÓLICOS TRADICIONAIS. A devoção do Cordão de Santa Filomena.

[3]  PADRE PAULO H. O’SULLIVAN. Santa Filomena e seus milagres, p. 69.

[4]  Idem, p. 70.

[8]  Idem, ibidem.

[9]  SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Op. cit., 50.

[10]  Cf. idem, 152.

[11]  Idem, 155.

[12]  Cf. idem, 157.

[13]  Cf. idem, 159-163.

[14]  Cf. idem, 164.

[15]  Idem, 262.

[16]  Cf. idem, p. 122.

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