Saiba se o Rosário ou Terço é uma oração é mariana ou cristológica e como compreender teologicamente essa oração.
Neste artigo, respondemos a mensagem de Paulo Glicério de C. Reis, que tem uma dúvida teológica sobre o Santo Rosário ou Terço Mariano: “Sou da Legião de Maria e do Terço dos Homens e gostaria de saber se a oração do Terço é uma oração mariana ou cristológica”.
Responder a essa questão nesses dias é muito significativo, tendo em vista que estamos nos aproximando da festa de Nossa Senhora do Rosário e do encerramento do Ano Nacional Mariano. Gostaríamos de dar uma resposta mais breve, mas, devido à complexidade do tema e da ocasião oportuna – pois estamos no mês do Rosário e neste Ano Mariano especialíssimo, no qual celebramos os 300 anos de Aparecida e os 100 anos de Fátima – decidimos responder a questão em três artigos. Neste primeiro, trataremos do Rosário enquanto memorial de Jesus Cristo com a Virgem Maria e como escola mariana de aprendizado da mensagem do Evangelho.
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O Rosário como recordação de Cristo com Maria
A oração do Terço tem um caráter marcadamente mariano. Na verdade, o Rosário situa-se no mais claro horizonte de um culto a Virgem Maria, Mãe de Deus, tal como delineou o Concílio Vaticano II. Este culto mariano está orientado ao centro cristológico da fé cristã, de forma que, “honrando a Mãe, melhor se conheça, ame e glorifique o Filho”[1]. Assim sendo, o caráter mariano do Rosário não nos separa, mas nos une mais intimamente a Jesus Cristo e aos mistérios de Sua encarnação, paixão, morte e ressurreição. Embora o Terço seja uma oração mariana, tem seu carácter próprio de contemplação cristológica. Por isso, podemos dizer que, na oração do Rosário, contemplamos os mistérios de Jesus Cristo na companhia da Virgem Maria.
A contemplação de Maria é, antes de tudo, memorial ou recordação. Nas Sagradas Escrituras, palavra memória é a tradução do termo hebraico zikaron, cuja raiz é zakar, que significa e, ao mesmo tempo, atualiza as obras realizadas por Deus na história da salvação da humanidade. A Bíblia é narração de acontecimentos salvíficos, que culminam em Jesus Cristo, o Verbo de Deus encarnado. Para nós, cristãos, estes acontecimentos não constituem somente um “ontem”, mas também o “hoje” da história da salvação.
A atualização dos acontecimentos salvíficos realiza-se de modo particular na Liturgia. O que Deus realizou séculos atrás não está relacionado somente com as testemunhas diretas dos acontecimentos, mas alcança, pelo Seu dom de graça, os homens de todos os tempos. De certo modo, isso também vale para qualquer outra piedosa ligação com esses acontecimentos. Fazer memória deles, em atitude de fé e de amor, significa abrir-se à graça que Cristo nos obteve com os seus mistérios de vida, morte e ressurreição.
A Liturgia, como exercício do ofício sacerdotal de Cristo e culto público, é “a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força”[2]. No entanto, convém lembrar que “a participação na sagrada Liturgia não esgota a vida espiritual. O cristão, chamado a rezar em comum, deve também entrar no seu quarto para rezar a sós ao Pai (cf. Mt 6, 6); mais, segundo ensina o Apóstolo, deve rezar sem cessar (cf. 1 Ts 5, 17)”[3]. O Rosário faz parte desse quadro diversificado da oração “incessante”. Nesse sentido, se a Liturgia, ação de Cristo e da Igreja, é ação salvífica por excelência, o Rosário, enquanto meditação sobre Cristo com Maria, é contemplação salutar dessa ação. De fato, entrar na vida do Redentor, de mistério em mistério, faz com que tudo aquilo que Ele realizou e a Liturgia atualiza seja profundamente assimilado em nós e modele a nossa existência.
Assista programa do Padre Paulo Ricardo sobre “Nossa Senhora do Rosário”:
Meditar o Rosário para apreender Cristo de Maria
Jesus Cristo é o Mestre por excelência, o Revelador e a Revelação, a Palavra de Deus encarnada. Sendo assim, conhecer o Evangelho não se trata somente de aprender o que Ele ensinou, mas também de “apreender Ele”, de acreditar que Jesus está presente em nosso interior. Nesse sentido, existe mestra mais experimentada do que a Virgem Maria? Se do lado de Deus o Espírito Santo é o Mestre interior que nos conduz à verdade plena de Cristo (cf. Jo 14, 26; 15, 26;16, 13), entre os seres humanos, ninguém melhor do que Ela conhece Cristo e, consequentemente, ninguém como a Mãe pode introduzir-nos no profundo conhecimento do Seu mistério.
O primeiro milagre realizado por Jesus na ordem da natureza – a transformação da água em vinho nas bodas de Caná – mostra-nos precisamente Nossa Senhora no papel de mestra, quando exorta os servos a cumprir as disposições de seu Filho (cf. Jo 2, 5). No Cenáculo, podemos imaginar que Ela tenha desempenhado a mesma função com os discípulos depois da Ascensão de Jesus, quando ficou com eles à espera do Espírito Santo (cf. At 1, 14) e os animou na primeira missão. Meditar com ela os mistérios do Rosário é como que frequentar a “escola” de Maria para apreender Cristo, penetrar nos Seus segredos, compreender a Sua mensagem.
A escola de Maria é ainda mais eficaz quando cremos que ela obtém-nos os dons do Espírito Santo com abundância e, ao mesmo tempo, propõe-nos o exemplo daquela “peregrinação da fé”[4], na qual é mestra inigualável. Diante de cada mistério do seu Filho, a Mãe de Deus nos convida, como fez na sua Anunciação, a colocar humildemente as perguntas que abrem à luz da verdade, para concluir sempre com a obediência da fé: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38).
Obs.: Este artigo é a primeira parte da resposta à mensagem de Paulo Glicério de C. Reis, que tem uma dúvida teológica sobre o Santo Rosário. A segunda parte e a terceira podem ser acessadas nos seguintes links:
TODO DE MARIA. O Rosário na configuração a Cristo e no anúncio do Evangelho.
TODO DE MARIA. O Rosário, a súplica a Cristo com Maria e a meditação.
Links relacionados:
TODO DE MARIA. Como rezar o Terço ou Rosário mariano?
TODO DE MARIA. A oração do Rosário em grupo e em família.
TODO DE MARIA. A origem do Rosário de Nossa Senhora.
TODO DE MARIA. O significado do Rosário da Virgem Maria.
Referências:
[1] CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 66.
[2] CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, 10.
[3] Idem, 12.
[4] CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 58.