Conheçamos um sonho de São João Bosco, que nos revela a importância do auxílio de Nossa Senhora, especialmente em meio às dificuldades e aos sofrimentos.
Sonhei que todos os meninos do oratório estavam brincando alegremente num campo muito extenso. Eis que, de repente, dos confins daquela planície, as águas de uma inundação começaram a crescer para nós, rodeando de todos os lados. O rio Pó tinha transbordado de suas margens rolavam torrentes que se avolumavam impetuosas. Apavorados, fugimos todos para um grande moinho que se via ao longe, afastado das demais habitações. Protegia-o uma muralha espessa como a de uma fortaleza; eu me detive no pátio interno, no meio dos meus alunos consternados. Mas, como as águas começassem a subir, fomos obrigados a refugiar-nos dentro de casa e a subir depois para o andar superior.
Olhando pelas janelas, via-se toda a extensão do desastre. Da colina de Superga até aos Alpes, em vez de prados, campos cultivados, hortas, bosques, casas, aldeias e cidades, nada mais se via do que a superfície de um lago imenso. À medida que as águas subiam, íamos galgando o andar superior. Perdida enfim toda esperança humana, comecei a animar meus jovens, dizendo-lhes que se colocassem todos, com absoluta confiança, nas mãos de Deus e se abandonassem nos braços de Nossa Senhora, nossa Mãe querida.
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A inundação e a embarcação salvadora
Mas, a água já tinha chegado quase ao nível do último andar. O pavor foi geral. Não víamos outro recurso senão recolhermo-nos a uma enorme jangada em forma de navio, que naquele instante apareceu flutuando junto de nós. Com a respiração ofegante, cada um queria ser o primeiro a refugiar-se naquela embarcação. Ninguém, porém, ousava fazê-lo porque não era possível aproximar-se a barca da casa: uma parede emergia um pouco mais acima do nível das águas. Para passar, havia apenas um tronco de árvore, comprido e estreito. Arriscar-se era difícil e perigoso, porque aquele tronco tinha uma extremidade apoiada na embarcação e movia-se, acompanhado de oscilações provocadas pelas ondas.
Cobrando coragem, fui o primeiro a passar. Depois, para facilitar a passagem dos meninos, e para que se sentissem mais seguros, determinei que alguns clérigos e padres, do lado do moinho, ajudassem os que partiam, e outros, na jangada, dessem a mão aos que chegavam. Mas era curioso! Passado pouco tempo, clérigos e padres se sentiam tão esgotados que, ora um, ora outro, estavam a ponto de desfalecer; o mesmo acontecia com os que substituíam. Muito admirado, quis eu mesmo fazer a experiência: fiquei logo tão extenuado que não conseguia permanecer de pé.
Entretanto, muitos jovens, impacientes, seja pelo temor de morte, seja pelo desejo de parecerem corajosos, tendo encontrado uma tábua bastante comprida e um pouco mais larga que o tronco, improvisaram uma segunda ponte e, sem esperar o auxílio dos clérigos e dos padres, atiraram-se a ela. Não queriam ouvir os meus gritos aflitos.
“Parem, parem, vocês vão cair!”, gritava eu. Aconteceu o que eu temia, porque muitos, ao serem empurrados ou por perderem o equilíbrio, antes de alcançar a embarcação, caíram e foram tragados por aquelas águas turvas e pútridas. Desapareceram. Aquela frágil ponte afundou também, arrastando consigo os que sobre ela estavam. Era tão grande o número desses infelizes, que uma quarta parte dos nossos jovens pereceram vítimas de seu capricho.
Até então, eu estivera segurando a extremidade do tronco, enquanto os meninos passavam; foi quando percebi que a inundação já ultrapassava aquela parede e pude conduzir a embarcação até o moinho. Encontrava-se lá o padre Cagliero que, colocando um pé no peitoril da janela e o outro na beirada da barca, foi dando a mão aos meninos que estavam naquele quarto e fazendo-os passar par o lugar seguro, na jangada.
Quando já se achavam todos na embarcação, mas incertos ainda de escapar àquele perigo, assumi o comando e disse aos jovens:
“Nossa Senhora é a Estrela do mar. Não abandona quem nela confia: vamos nos colocar sob o seu manto; ela nos há de livrar dos perigos e nos conduzirá a um porto seguro”.
A confiança no auxílio da Virgem Maria
Abandonamos então a nau ao sabor das ondas e, flutuando mansamente, ela se afastou daquele lugar. Mas, o ímpeto do vento impelia-a com tal velocidade que nos abraçamos uns aos outros, formando um só corpo, para não cair. Tendo percorrido uma grande distância em tempo reduzidíssimo, a barca pôs-se a girar em torno de si mesma, com extraordinária rapidez, de tal forma de tal forma que pensamos que fosse afundar. Um vento fortíssimo, porém, arrancou-a daquele redemoinho. Voltou a vagar normalmente e quando, ocasionalmente, se repetia o redemoinho, o vento salvador a impelia, até que foi parar perto de uma ribanceira enxuta, bonita, ampla, que parecia brotar como uma colina no meio do mar.
Muitos jovens ficaram encantados; diziam que Deus colocara o homem sobre a terra e não sobre as águas e, sem pedir licença a ninguém, deixaram a barca e subiram pela rampa, convidando ainda os outros a segui-los. A alegria durou pouco. Avolumaram-se as águas, por um rápido recrudescer da tempestade, invadiram as fraldas daquela ribanceira, subiram rapidamente, atingindo aqueles infelizes que soltavam gritos de desespero ao sentirem-se mergulhados até a cintura. Em breve desapareciam, tragados pelas ondas. Então exclamei:
“É bem verdade que aquele que quer seguir sua própria cabeça paga com a própria bolsa”.
A nau, entretanto, como um joguete abandonado à fúria da tempestade, a cada momento parecia ir ao fundo. Notei que os meus jovens estavam pálidos e ofegantes. “Coragem! – gritei-lhes – Nossa Senhora não nos há de abandonar”. Então, todos juntos, rezamos com fervor os atos de fé, de esperança, de caridade e de contrição; rezamos alguns Pais-nossos e Ave-Marias e uma Salve Rainha; em seguida, de joelhos, segurando-nos pelas mãos, cada um rezou outras orações em particular. Entretanto, alguns insensatos, indiferentes ao perigo, como se nada o ameaçasse, de pé, andando de um lado para outro, levavam a coisa em gozação, rindo em atitude suplicante de seus companheiros. Mas eis que, de repente, a embarcação para, gira sobre si mesma com incrível rapidez, ao mesmo tempo um vento furioso atira nas ondas aqueles infelizes. Eram trinta. Como as águas fossem profundas e lamacentas, mal mergulharam, desapareceram para sempre. Nós, entretanto, entoamos uma Salve Rainha e, como nunca, então invocamos a Estrela do Mar.
Os náufragos são salvos na nau da Virgem Maria
Sobreveio a calma. Mas, a embarcação, como se fora um peixe, continuava a deslizar, sem que pudéssemos saber aonde nos levava. Um variado trabalho de salvamento continuava, todavia. Fazia-se de tudo para impedir que os jovens caíssem nas águas e para delas retirar ao que tombavam. É que sempre havia alguns que se inclinavam demasiado sobre o parapeito baixo da jangada e caíam no lago. Havia também alguns descarados e maldosos que, atraindo os companheiros, empurravam-nos para fazê-los cair na água. Em vista disso, vários sacerdotes preparavam varas resistentes, linhas grossas e anzóis, distribuindo este material entre si; já alguns estavam a postos, com varas erguidas e os olhos fixos nas ondas, atentos aos gritos de socorro. Apenas caía um jovem, as varas se abaixavam e o náufrago se agarrava à linha, ou melhor, prendia o anzol na cinta ou nas roupas e era assim posto a salvo. Quanto a mim, encontrava-me ao pé de um alto estandarte, fincado no centro da nau; cercavam-me muitíssimos jovens, padres e clérigos, todos sob minhas ordens. Enquanto permaneciam dóceis, obedecendo ao que eu dizia, tudo ia bem. Mas, eis que alguns começaram a achar incômoda aquela jangada, a recear a viagem, demasiado longa, a lamentar-se dos transtornos e perigos daquela travessia, a discutir sobre o lugar em que haveríamos de aportar, a pensar de que modo poderíamos encontrar outro refúgio, a iludir-se com a esperança de que não muito longe haveria terra onde encontrar um abrigo seguro; enfim, receavam que viessem em breve a faltar os víveres, discutiam entre si, recusavam-se a obedecer. Em vão procurava eu dissuadi-los, empregando as melhores razões.
Eis senão quando aparecem outras embarcações; ao se aproximarem, notamos que tomavam outra direção. Ao vê-las, aqueles jovens imprudentes deliberaram seguir os seus próprios caprichos, afastando-se de mim e governando-se por si mesmos. Lançaram às águas algumas tábuas que estavam na nossa jangada e, avistando outras bem compridas que flutuavam a pouca distância, saltaram para elas, afastando-se em direção às embarcações avistadas. Para mim a cena foi extremamente dolorosa; via aqueles infelizes correrem para a própria ruína. Soprava o vento, o mar se encapelava: alguns foram logo ao fundo, tragados pelas ondas furiosas; outros iam de encontro a obstáculos que surgiam á flor das águas e submergiam; alguns conseguiram subir às embarcações que, entretanto, não tardaram a serem tragadas pelo abismo. A noite desceu tenebrosa; ouviram-se ao longe os gritos desesperados daqueles que pereciam. Naufragaram todos. In mare mundi submergentur omnes illis quos non suscipit navis ista (no mar do mundo, naufragarão todos aqueles que não forem recolhidos por esta nau), isto é, a Nau de Maria Santíssima.
O terrível estreito, a fonte salutar e o auxílio de Nossa Senhora
O número dos meus queridos filhos tinha diminuído muito; não obstante isto, continuando a confiar em Nossa Senhora, depois de uma noite inteira passada nas trevas, a nave entrou por um estreito muito apertado, de margens lamacentas onde, em meio a tufos de verduras, viam-se pedras lascadas, paus, ramos quebrados, restos de pranchas e antenas, ramos, escondendo animais repugnantes.
Foi ali que vimos, com horror e espanto, os pobres companheiros, perdidos ou que tinham desertado da nossa companhia. Depois de haverem naufragado, tinham sido arremessados pelas ondas àquela praia.
Então apontei a todos uma fonte da qual jorrava com abundância água fresca e ferruginosa; todo aquele que nela ia banhar-se voltava curado e podia voltar para a barca. A maior parte daqueles infelizes obedeceram ao meu convite; alguns, porém, recusaram-se. Eu então, para cortar as delongas, voltei-me para os que se tinham restabelecido e instei para que me seguissem. Obedeceram resolutamente, retirando-se os monstros. Apenas pusemos os pés na jangada, um vento forte impediu-a para a outra extremidade do estreito e vimo-nos novamente em meio a um oceano sem horizontes.
Lastimando a triste sorte e o fim lastimável dos nossos companheiros abandonados naquele horrendo lugar, começamos a cantar: “Louvemos Maria, Rainha gloriosa”. Fizemo-lo em agradecimento à nossa querida Mãe do Céu, por nos ter então protegido; no mesmo instante, a uma ordem dela, cessou a fúria do vento e a nau começou a deslizar sobre as águas plácidas, com incrível facilidade. Dir-se-ia que, para mover-se, bastava o ligeiro impulso que lhe davam os jovens, brincando de remar com as mãos.
Mas, eis que aparece no céu um arco-íris mais belo e de forma mais variada do que a aurora boreal. Passamos sobre ele e podemos ler a palavra MEDOUM, escrita com grande letra, e cujo significado não chegamos a compreender. Pareceu-me, entretanto, que cada letra fosse a inicial das seguintes palavras: Mater Et Domina Omnis Universi Maria ( Mãe e Senhora de todo o universo é Maria).
Depois de um longo trecho de viagem, eis que no horizonte distante avistamos uma nesga de terra. À medida que nos aproximávamos, batia-nos o coração de incontida alegria. Era uma terra encantadora, coberta de bosques com toda qualidade de árvores. Parecia-nos ainda mais sedutora porque ia sendo iluminada pelo sol que nascia por detrás das colinas. Era uma luz que brilhava suave e penetrante, deixando uma impressão de repouso e de paz.
Afinal, depois de ter deslizado sobre a praia, a jangada parou em lugar enxuto, defronte de um vinhedo lindíssimo. Era enorme o desejo dos jovens de penetrar por aquele vinhedo. Alguns, mais afoitos e curiosos, de um salto estavam na praia. Mas tinham apenas dado alguns passos quando, recordando-se da sorte infeliz dos que se haviam encantado com a ribanceira encontrada no meio do oceano, voltaram apressados para a barca.
Todos os olhos estavam voltados para mim e podia-se ler na fronte de todos a pergunta:
“Dom Bosco, já é tempo de descer e ficar aqui?”
Refleti um pouco e depois lhes disse: “Vamos descer: é o momento certo: agora estamos seguros!”
Foi um grito unânime de alegria! Esfregando as mãos de contente, entraram todos no vinhedo, todo ele plantado com esmero. Dos ramos pendiam cachos de uvas semelhantes aos da terra da promissão; os galhos das árvores ofereciam toda qualidade de fruta, cujo sabor excedia tudo o que se possa imaginar. Bem no meio do vinhedo eleva-se um castelo rodeado por lindíssimo jardim e protegido por uma alta muralha.
Dirigimos para lá nossos passos, desejosos de visitá-lo, e tivemos franqueada a entrada. Estávamos cansados, com fome, e eis que deparamos com uma grande sala, ornamentada de ouro fino, tendo no centro uma mesa coberta das mais finas iguarias. Cada um pode servir-se livremente. Acabávamos a refeição quando entrou na sala um jovem de aparência nobre, vestido ricamente. Era extraordinariamente belo. Com maneiras afetuosas, tratou-nos familiarmente, chamando cada um pelo próprio nome. Percebendo que estávamos maravilhados com sua beleza e com tudo mais que tínhamos visto, explicou: “Isto ainda não é nada; venham ver”.
O maravilhoso castelo com a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora
Seguimos lhe os passos e, dos balcões, fez-nos contemplar os jardins, dizendo que estavam a nossa disposição, para nossas recreações. Conduziu-nos depois de sala em sala, cada qual mais bonita, pela arquitetura, colunatas e ornatos de toda espécie. Abrindo depois uma porta que dava para a capela, convidou-nos a entrar. Por fora, a capela parecia pequena, mas, apenas transpusemos lhe os umbrais, percebemos que era tão extensa que mal se podia ver quem estivesse na outra extremidade. O pavimento, as paredes, as abóbadas eram ornamentadas e enriquecidas com arte admirável. Por toda parte mármores finos, ouro prata, pedras preciosas. Maravilhado, exclamei: “Mas isto é uma beleza paradisíaca: proponho que fiquemos aqui para sempre!”
No meio do templo, sobre rico pedestal, estava uma magnífica imagem de Nossa Senhora Auxiliadora. Chamei então os meninos, que estavam espalhados contemplando toda aquela beleza, e nos reunimos todos (uma multidão) diante daquela imagem para agradecer a Nossa Senhora tantos favores que nos concedera. De repente, ela pareceu animar-se, sorriu. Um frêmito de comoção perpassou pela multidão: “Nossa Senhora move os olhos!”, exclamaram alguns. Era verdade: Maria Santíssima, com inefável bondade, volvia os olhos maternos para aqueles jovens. Pouco depois, outro brado escapou do peito de todos: “Nossa Senhora move as mãos!”. Realmente, com gesto lento, Ela ia abrindo os braços, estendendo o manto, como se quisesse recolher todos sob ele. Era tão grande a comoção, que lágrimas corriam pelas nossas faces. “Nossa Senhora move os lábios!”, exclamaram alguns. Seguiu-se um silêncio profundo. A mãe de Deus, abrindo a boca, com voz argentina, suavíssima, dizia-nos:
“Se vocês forem para mim filhos devotos, eu serei para vocês Mãe Piedosa”.
A estas palavras caímos todos de joelhos, entoando o canto: “Louvemos Maria, Rainha gloriosa”.
Esta harmonia era ao mesmo tempo tão forte e suave que, vencido por ela, despertei. Terminou assim a visão.
Pontos para reflexão e discussão
“Coragem, Nossa Senhora não nos abandonará”. O que Nossa Senhora é para nós? Uma medalhinha que dá sorte? Uma estatueta muito meiga que, afinal, não nos diz nada? Ou é “nossa Mãe”, que devemos invocar nos momentos de perigo, à qual devemos sempre rezar, que é preciso sempre amar como Mãe de Jesus e nossa Mãe?
Fonte: SALVE RAINHA. Sonhos de Dom Bosco.
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