A verdade a respeito da controvérsia de que católicos somos idólatras, adoradores de imagens, e o seu fruto espiritual para nossas vidas.
A acusação de que nós católicos somos idólatras, porque adoramos imagens, não tem sua origem com os protestantes. Desde tempos remotos, católicos foram acusados de idolatria, de adoradores de imagens, primeiramente por membros da própria Igreja. Mas, será isso verdade? Nós adoramos as imagens sagradas de Jesus Cristo, da Virgem Maria, dos anjos e dos santos? Responder estas perguntas, é fundamental para que nossa fé e o nosso culto espiritual sejam verdadeiros e saibamos dar as razões da nossa esperança (1 Pd 3, 15).
O primeiro mandamento da Lei de Deus, revelado a nós no Antigo Testamento é este: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças” (Dt 6, 5). Este, bem como os outros mandamentos nos foram dados para que sejamos felizes e conservemos as nossas vidas (cf. Dt 6, 3.24). Por isso, quando o Senhor proíbe que tenhamos outros deuses e que façamos imagens (cf. Ex 20, 3-5), é porque Ele quer o nosso bem. Sendo assim, estaríamos nós sendo desobedientes a Deus ao ter imagens em nossas igrejas, em nossas casas, e ao prestar culto a elas? Não podemos ajoelhar diante das imagens sagradas de Cristo, de Nossa Senhora, dos anjos e dos santos?
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A Palavra de Deus realmente proibia as imagens?
Atualmente, o argumento mais usado pelos protestantes para acusar a nós católicos de idolatria é esta passagem do livro do Êxodo: “Não terás outros deuses diante de minha face. Não farás para ti escultura, nem figura alguma do que está em cima, nos céus, ou embaixo, sobre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto” (Ex 20, 3-5a). A princípio, depois de ler este trecho das Escrituras, parece que nossos irmãos protestantes estão com razão em nos acusar de idolatria. No entanto, apenas usando o mesmo “cavalo de batalha” que é usado contra nós, ou seja, sola scriptura (só a Escritura), o argumento protestante cai por terra. Pois, se nesta passagem do Êxodo o Senhor diz para não fazer imagens, em muitas outras passagens Ele manda fazer imagens.
No próprio livro do Êxodo, Deus disse a Moisés como deveriam ser as imagens sobre a Arca da Aliança: “Farás dois querubins de ouro; e os farás de ouro batido, nas duas extremidades da tampa, um de um lado e outro de outro, fixando-os de modo a formar uma só peça com as extremidades da tampa” (Ex 25, 18-19). Ainda no mesmo Livro, há outra descrição dessas imagens, desta vez prontas: “Fez dois querubins de ouro, feitos de ouro batido, nas duas extremidades da tampa, um de um lado, outro de outro, de maneira que faziam corpo com as duas extremidades da tampa. Esses querubins, com as faces voltadas um para o outro, tinham as asas estendidas para o alto, e protegiam com elas a tampa para a qual tinham as faces inclinadas” (Ex 37, 7-9). No primeiro livro das Crônicas, mais uma vez evidencia-se o pedido de Deus para que se fizesse os querubins: “…o modelo do carro, dos querubins de ouro que estendem suas asas para cobrir a Arca da Aliança do Senhor. Tudo isso, disse Davi, todos os modelos destas obras, foi o Senhor quem me ensinou por um escrito de sua mão” (1 Cr 28, 18b-19). Já no Novo Testamento, na Carta aos Hebreus, também temos uma descrição que comprova a existência dessas imagens dos querubins:
Atrás do segundo véu achava-se a parte chamada Santo dos Santos. Aí estava o altar de ouro para os perfumes, e a Arca da Aliança coberta de ouro por todos os lados; dentro dela, a urna de ouro contendo o maná, a vara de Aarão que floresceu e as tábuas da aliança; em cima da arca, os querubins da glória estendendo a sombra de suas asas sobre o propiciatório (Hb 9, 3-5a).
Voltando ao Antigo Testamento, quando o Povo de Deus caminhava no deserto em direção ao Mar Vermelho, este perdeu a coragem e começou a murmurar contra Deus e contra Moisés. Por isso, o Senhor mandou serpentes venenosas que mataram muitos dos israelitas. Diante dessa situação desesperadora, Moisés intercedeu pelo Povo, e o Senhor disse a Moisés: “Faze para ti uma serpente ardente e mete-a sobre um poste. Todo o que for mordido, olhando para ela, será salvo” (Nm 21, 8).
No templo que o rei Salomão construiu para o Senhor, também havia imagens esculpidas, como podemos constatar no primeiro livro dos Reis:
Fez no santuário dois querubins de pau de oliveira, que tinham dez côvados de altura. Cada uma das asas dos querubins tinha cinco côvados, o que fazia dez côvados da extremidade de uma asa à extremidade da outra. O segundo querubim tinha também dez côvados; os dois tinham a mesma forma e as mesmas dimensões. Um e outro tinham dez côvados de altura. Salomão pô-los no fundo do templo, no santuário. Tinham as asas estendidas, de sorte que uma asa do primeiro tocava uma das paredes e uma asa do segundo tocava a outra parede, enquanto as outras duas asas se encontravam no meio do santuário. Revestiu também de ouro os querubins. Mandou esculpir em relevo em todas as paredes da casa, ao redor, no santuário como no templo, querubins, palmas e flores abertas. (1 Rs 6, 23-29).
No livro de Ezequiel, o Senhor mostra em uma visão ao profeta como deveria ser reconstruído o templo, e na descrição deste temos mais vez a presença de imagens:
Acima da porta, no interior e no exterior do templo, e por toda a parede em redor, por dentro e por fora, tudo estava coberto de figuras: querubins e palmas, uma palma entre dois querubins. Os querubins tinham duas faces: uma figura humana de um lado, voltada para a palmeira, e uma face de leão voltada para a palmeira, do outro lado, esculpidas em relevo em toda a volta do templo (Ez 41, 17-19).
Estas passagens da Palavra de Deus parecem estar em contradição com aquela primeira, que sempre é usada contra nós. Como explicar que Deus proíbe e depois manda fazer imagens?
Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo sobre “Por que não sou protestante?”:
Os dois significados da palavra “imagem” nas Sagradas Escrituras
Um exame mais detalhado somente da passagem do livro do Êxodo acima mencionada já comprova que a acusação de idolatria feita pelos nossos irmãos separados a nós católicos é infundada. Quando Deus diz: “Não farás para ti imagem esculpida” (Ex 20, 4), a palavra hebraica utilizada para “imagem” é temunah (תְּמוּנָה), que é justamente usada para falar dos ídolos, dos deuses dos pagãos. Tanto que, na famosa versão dos Setenta, ou Septuaginta – tradução do hebraico para a língua grega, feita entre os séculos III-II a.C. – a palavra é traduzida por eidolon (εἴδωλον), que significa ídolo, muito diferente da palavra grega eikon (εἰκών), que se traduz por ícone1.
As palavras ícone e ídolo tem o mesmo significado: imagem. No entanto, são imagens de categorias completamente diferentes. Um ídolo (eidolon em grego) é um deus falso, uma criatura que é colocada no lugar de Deus. Fazer e cultuar ídolos é proibido pelo primeiro mandamento da lei de Deus. Já o ícone (eikon, em grego), embora seja também uma imagem, uma criatura feita por mãos humanas, não é colocada no lugar do Senhor, mas sim remete a Ele, como uma janela que se abre para Deus.
Depois de analisar o significado das palavras ídolo e ícone, compreendemos facilmente que o primeiro é proibido por Deus e a segundo não. Quando Deus proíbe o Povo de Deus de fazer imagens, Ele proíbe de fazer ídolos. Da mesma forma, quando o Senhor pede que se faça imagens, Ele não está pedindo para fazer ídolos, mas sim ícones. “No entanto, os protestantes radicalizam e condenam qualquer tipo de imagem, o que não resolve o problema, pois as imagens estão por toda parte: na esposa, no esposo, nos filhos, na natureza, etc.”2. Tudo pode ser janela transparente para louvor a Deus, ou pode ser ídolo. Depende de como olhamos para essas imagens. Diante de qualquer criatura, há sempre uma escolha a ser feita: ou fazemos dela um ícone, que nos remete para Deus, ou um ídolo, que colocamos no lugar de Deus.
O ensinamentos do Magistério da Igreja acerca das imagens sagradas
No Antigo Testamento, Deus ordenou ou permitiu que o Povo de Deus fizesse imagens, que conduziriam simbolicamente à salvação realizada pelo Verbo encarnado, como a serpente de bronze (cf. Nm 21, 4-9; Sb 16, 5-14; Jo 3, 14-15) e a Arca da Aliança e os querubins (cf. Ex 25, 10-22; 1 Rs 6, 23-28; 7, 23-26).
Com base no mistério do Verbo encarnado, o Magistério da Igreja, no VII Concílio Ecumênico de Niceia, no ano de 787, “justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: dos de Cristo, e também dos da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Encarnando, o Filho de Deus inaugurou uma nova ‘economia’ das imagens”3.
O culto das imagens na Igreja Católica não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. Pois, “a honra prestada a uma imagem remonta4 ao modelo original” e “quem venera uma imagem venera nela a pessoa representada”5. A honra prestada às santas imagens é uma “veneração respeitosa”, e não uma adoração, que é devida somente a Deus. “O culto da religião não se dirige às imagens em si mesmas como realidades, mas olha-as sob o seu aspecto próprio de imagens que nos conduzem ao Deus encarnado. Ora, o movimento que se dirige à imagem enquanto tal não se detém nela, mas orienta-se para a realidade de que ela é imagem”6.
Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo sobre o “Culto aos santos e suas imagens”:
As antigas e novas idolatrias e o verdadeiro culto a Deus
Portanto, o culto das imagens sagradas na Igreja Católica, longe de caracterizar-se como idolatria, ou seja, como culto aos deuses pagãos, é um legítimo culto a Deus. Pois, ao olharmos para ícones de Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos santos, nosso espírito é conduzido à contemplação da Santíssima Trindade, de quem somos imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26).
A Palavra de Deus, a Tradição e o Magistério da Igreja confirmam que, desde a Antiga Aliança, havia o legítimo culto a Deus nas sagradas imagens. No entanto, também é verdade que a idolatria também era uma realidade presente desde aqueles tempos remotos. Por isso, o Senhor disse: “Não farás para ti imagem esculpida” (Ex 20, 4), ou seja, “não farás para ti ídolo esculpido”. Se por um lado o culto às imagens é permitido, a idolatria é condenada. Esta lei permanece válida para nós. Dessa forma, os ícones sagrados não devem ser fim em si mesmos, mas sim como que janelas para o Infinito, que é Deus. Quando olhamos para as imagens sagradas, somos chamados a voltar o coração, a alma, o espírito, o pensamento, para Deus (cf. Dt 6, 5; Mt 22, 37; Mc 12, 30; Lc 10, 27). Quando nos prostramos, ou fazemos reverência, diante de um ícone, o fazemos porque nosso culto espiritual tem como fim último Deus.
Isto que dissemos a respeito das imagens, também é verdadeiro quanto às coisas materiais, como dinheiro, joias, carros, casas, apartamentos… Estes não devem ser para nós ídolos, mas sim realidades que nos levam para Deus, que é o sentido de todas as coisas. Podemos ter bens materiais, desde que estes não tomem o lugar de Deus em nossas vidas. A ganância de possuir dinheiro e bens materiais não pode ser a prioridade, ter o primeiro lugar em nossas mentes e em nossos corações, pois este deve ser o lugar do Senhor. Nesse sentido, empregos, cargos, títulos, ministérios, por mais nobres que sejam, também não podem tomar a primazia de Deus em nossas vidas.
As pessoas, por mais importantes que sejam, não podem tomar o lugar de Deus em nossas vidas. Pais, familiares, parentes, esposo ou esposa, namorado ou namorada, amigos e amigas, chefes, superiores, não podem ser fim em si mesmos, o que seria também idolatria, mas devem nos remeter a Deus, que é a razão de ser da nossa existência. Do mesmo modo, padres, bispos, cardeais, o Papa, não podem tomar o lugar de Deus em nossas vidas.
A Santíssima Virgem, os anjos e os santos, não podem tomar o lugar do Senhor. Mas, o verdadeiro culto a Nossa Senhora, aos outros santos e aos anjos, nos remete a Deus. Assim, não seremos idólatras, mas aqueles que amam Deus, de todo o nosso coração, de toda a nossa alma e com todas as nossas forças (cf. Dt 6, 5). Virgem Maria, Mãe de Deus, rogai por nós!
Natalino Ueda, escravo inútil de Jesus por Maria.
Links relacionados:
CLÉOFAS. A Devoção Mariana e o Culto das Imagens – Papa João Paulo II.
TODO DE MARIA. Maria, imagem perfeita da beleza de Deus
Referências:
1 PADRE PAULO RICARDO. Por que não somos idólatras.
2 Idem, Culto aos santos e suas imagens.
3 PAPA JOÃO PAULO II. Catecismo da Igreja Católica, 2131.
4 Idem, 2132. São Basílio Magno, Liber de Spiritu Sancto, 18, 45: SC 17bis. 406 (PG 32, 149).
5 Idem, ibidem. II Concílio de Niceia, Definitio de sacris imaginibus: DS 601; cf. Concílio de Trento, Sess. 25ª, Decretum de invocatione, veneratione et reliquiis sanctorum, et sacris imaginibus: DS 1821-1825: II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 125: AAS 56 (1964) 132: Id., Const. dogm. Lumen Gentium, 67: AAS 57 (1965) 65-66.
6 Idem, ibidem. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2. q. 81, a. 3, ad 3: Ed. Leon. 9, 180.