Na Santa Missa se atualiza o sacrifício de Jesus Cristo e da Virgem Maria, oferecido no altar da cruz, para a remissão dos nossos pecados.
Na celebração da Santa Missa, vivemos o memorial do sacrifício de Jesus Cristo e da Virgem Maria. Pois, se o Filho de Deus sofreu terrivelmente no corpo, a Mãe de Deus sofreu igualmente na alma. Os sofrimentos da Mãe de Deus, numerosos e intensos, contribuíram significativamente para a obra da Redenção da humanidade. Desde a Anunciação do Anjo (cf. Lc 1, 26-38), a Virgem de Nazaré prevê, na sua missão materna, o destino de compartilhar, de maneira única e irrepetível, a mesma missão do seu Filho unigênito. Não demora para que ela tenha a confirmação disso, na ansiedade e nas privações causadas pela fuga precipitada para o Egito, motivada pela decisão cruel de Herodes (cf. Mt 2, 13-23), no anúncio explícito do velho Simeão, que lhe falou de uma espada que lhe transpassaria a alma (cf. Lc 2, 35). Seu Coração Imaculado, muito mais sensível dos que os nossos corações, insensíveis por causa do pecado, foi transpassado pela espada da dor, do sofrimento, indescritível.
Depois das dificuldades da vida oculta e pública do seu Filho, por ela certamente partilhadas com viva sensibilidade, foi no Calvário que o sofrimento da Virgem Santíssima, juntamente com o de seu Filho, “atingiu um ponto culminante dificilmente imaginável na sua sublimidade para o entendimento humano; mas, misterioso, por certo sobrenaturalmente fecundo para os fins da salvação universal”1. A sua subida ao monte Calvário e o seu “estar” aos pés da Cruz com o Discípulo amado, bem como as palavras que ela escutou dos lábios de Jesus (cf. Jo 19, 26-27), evidenciam uma participação muito especial da Mãe de Deus na morte redentora do seu Filho, realizando como que a entrega solene deste Evangelho particular, destinado a ser anunciado a toda a comunidade dos fiéis2.
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O sacrifício de Jesus Cristo e da Virgem Maria
Quando entramos na Igreja para celebrar a Santa Missa, chegamos no Calvário, onde Jesus Cristo se entrega em sacrifício pela salvação da humanidade. Adentramos, não somente no momento mais importante do nosso dia, ou de nossas vidas, mas no tempo da graça, no καιρός (kairós em grego), por excelência, naquele mais significativo instante da história da humanidade. Pois, o sacrifício de Cristo na cruz é mais importante até mesmo do que a obra da Criação, pois esta foi redimida por aquele. No Calvário, foram três horas de angústia e sofrimento terríveis e quase que intermináveis para Jesus e Maria. A este respeito, São João Crisóstomo disse que: “Quem estivesse no Calvário veria dois altares, onde se consumavam dois grandes sacrifícios: um era o corpo de Jesus, o outro o coração de Maria”3.
No altar da cruz, o Filho de Deus e sua Mãe Santíssima se ofereceram em sacrifício por todos os homens. Entretanto, este sacrifício se reveste de um caráter pessoal. Podemos constatar isso nas poucas, mas significativas experiências de conversão no Calvário. Cristo foi crucificado entre dois ladrões, mas, somente a São Dimas, disse: “Em verdade vos digo: hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Vários eram os soldados que estavam no Calvário naquele dia, mas somente o soldado Longinus, São Longuinho, foi curado de um doença nos olhos e se converteu, depois de transpassar o lado de Jesus e ser atingido pelo sangue e pela água que jorraram de Seu peito aberto pela lança (cf. Jo 19, 34).
Na Santa Missa, no altar da cruz, Jesus e Maria se oferecem em sacrifício pelos nossos pecados e querem de nós uma atitude pessoal de encontro, de comunhão, a exemplo do Bom Ladrão, que primeiramente repreendeu o malfeitor que blasfemava contra Jesus: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício?” (Lc 23, 40); depois, reconheceu suas culpas: “Para nós isto é justo: recebemos o que merecemos por nossos crimes” (Lc 23, 41); e também suplicou pela sua salvação: “Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!” (Lc 23, 42). De certo modo, nossa atitude deve ser a mesma de Dimas, pois neste mundo estamos crucificados com Cristo, através dos sofrimentos, e somos igualmente malfeitores. Consequentemente, também devemos reconhecer as nossas faltas e suplicar o perdão dos nossos pecados, para um dia entrar no Reino dos Céus.
Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo com o tema “Consagrados da Virgem, consagrados na Cruz”:
A entrega da Virgem Maria ao discípulo amado
No Evangelho de São João, uma passagem confirma a maternidade da Virgem Maria na obra da Salvação, no seu momento culminante, que é o sacrifício de Jesus Cristo na Cruz, o seu mistério pascal. A narrativa de São João nos coloca diante do acontecimento que marcou não somente aquelas pessoas que estavam presentes e todos os filhos e filhas da Igreja de todos os tempos, mas também a humanidade inteira:
Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: ‘Mulher, eis aí teu filho’. Depois disse ao discípulo: “Eis aí tua mãe”. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa (Jo 19, 25-27).
Neste episódio, reconhecemos uma belíssima expressão do cuidado singular do Filho de Deus para com a sua Mãe Santíssima, que Ele deixaria em meio a tanto sofrimento. Entretanto, este cuidado filial, este testamento espiritual de Cristo na cruz, tem algo mais o nos dizer. Jesus coloca em evidência um vínculo novo entre Mãe e Filho, do qual confirma solenemente toda a verdade e realidade. A maternidade de Maria em relação aos homens, que já tinha aflorado e se tinha delineado anteriormente no primeiro milagre de Jesus, por intermédio de sua Mãe, nas bodas de Caná (Jo 2, 1-11), agora é determinada com precisão e estabelecida. Esta nova maternidade nasce da maturação definitiva do mistério pascal do Salvador da humanidade. “A Mãe de Cristo, encontrando-se na irradiação direta deste mistério que abrange o homem ― todos e cada um dos homens ― é dada ao homem ― a todos e cada um dos homens ― como mãe”4.
Esta nova maternidade da Virgem Maria, “gerada pela fé, é fruto do ‘novo’ amor, que nela amadureceu definitivamente aos pés da Cruz, mediante a sua participação no amor redentor do Filho”5. Se no Calvário recebemos a Mãe de Deus por nossa mãe, é justo que a acolhamos, como bem fez o Discípulo amado: “dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa” (Jo 19, 27). Algumas traduções dizem que o Discípulo acolheu Nossa Senhora “no que era seu”, ou seja, não tanto no sentido de lugar material, mas no seu interior, na sua alma. Da mesma forma, se somos verdadeiros filhos da Santíssima Virgem e estamos junto com ela no Calvário, a acolhamos no que é nosso, em nosso interior, para consolar o seu Coração de Mãe, transpassado pela espada da dor, do sofrimento, por amor a todos e cada um de nós.
Receber Jesus Cristo com o Coração da Virgem Maria
No Calvário, bem como na Santa Missa, Jesus Cristo nos entrega sua Mãe Santíssima para que participemos bem do Seu santo sacrifício no altar da cruz. Todavia, de nossa parte, precisamos acolhê-la “no que é nosso”, em nossa vida interior, como nos ensina São Luís Maria Grignion de Montfort, no tesouro de espiritualidade mariana que é o “Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem”. Para tanto, devemos suplicar a esta boa Mãe que nos empreste o seu Coração, para nele recebermos o seu Filho com as disposições dela. Jesus será então bem recebido, sem mancha nem perigo de ser ultrajado ou perdido por causa de nossas faltas6.
Antes de receber o Senhor, digamos confiantemente a Mãe de Deus que tudo o que lhe oferecemos dos nossos bens é muito pouca coisa para a honrar. Por isso, desejamos lhe dar, na Santa Comunhão, o mesmo presente que o Pai Eterno lhe deu no mistério da Encarnação: o Filho do Altíssimo (cf. Lc 1, 32). Deste modo, a Virgem Maria será mais honrada do que se lhe oferecêssemos todos os bens do mundo. Podemos também dizer-lhe que Jesus a ama muito particularmente, e que ainda quer ter nela a sua satisfação e o seu descanso, ainda que agora seja na nossa alma, mais suja e pobre que o presépio, onde Jesus não pôs dificuldades em vir ao mundo, porque a Virgem de Nazaré lá se encontrava. Por fim, peçamos o seu Coração materno, com estas ternas palavras: “Tomo-Vos como toda a minha riqueza. Dai-me o Vosso Coração, ó Maria!”7
Depois da Santa Comunhão, estando interiormente recolhidos, com os olhos fechados, introduziremos Jesus Cristo no Imaculado Coração de Maria. Nós O daremos à nossa “Mãe, que O receberá amorosamente, O instalará honorificamente, O adorará profundamente, O amará perfeitamente, O abraçará com amor e Lhe tributará, em espírito e verdade, várias homenagens que nos são desconhecidas, a nós, envoltos nessas densas trevas”8.
Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo sobre “Por que é necessário fazer ação de graças após a comunhão?”:
O sacrifício dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria e a salvação da humanidade
Portanto, Maria Santíssima foi testemunha da paixão e morte de seu Filho pela sua presença até o fim, no monte Calvário, e continua a se fazer presente no Santo Sacrifício da Missa. A Virgem dolorosa participou com a sua compaixão e “ofereceu uma contribuição singular ao Evangelho do sofrimento, realizando antecipadamente aquilo que afirmaria São Paulo”9. Nossa Senhora tem títulos especialíssimos para poder afirmar que completa na sua carne — bem como igualmente no seu coração — aquilo que falta aos sofrimentos de Cristo (cf. Col 1, 24).
No seu sacrifício, “o divino Redentor quer penetrar no ânimo de todas a pessoas que sofrem através do coração da sua Mãe Santíssima, primícia e vértice de todos os redimidos”10. Prolongando aquela maternidade, que por obra do Espírito Santo lhe havia dado a vida, Jesus Cristo, ao morrer, conferiu à sempre Virgem Maria uma nova maternidade — espiritual e universal — em relação a todos os homens, a fim de que cada um de nós, na peregrinação da fé, à semelhança e junto com Maria, permanecêssemos intimamente unidos “até à Cruz; e assim, todo o sofrimento, regenerado pela virtude da Cruz, de fraqueza do homem se tornasse poder de Deus”11.
Na Santa Missa, esta união com Jesus Cristo através do Coração da Virgem Maria tem seu ponto mais alto, pois neste Santíssimo Sacramento se atualiza este insondável mistério de amor. No sacrifício dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria se manifesta, de modo inigualável, o amor supremo da Santíssima Trindade. Pois, o Espírito Santo, que transforma o sofrimento em amor redentor12, transformou os sofrimentos da Mãe e do Filho no amor salvífico que o Pai acolheu como sacrifício único e definitivo, oferecido pela nossa Redenção e de toda a humanidade.
Música nº 449 do livro Cantai ao Senhor das Irmãs de Maria de Schoenstatt
1. Ao pé da cruz, corajosa estavas, ó doce Mãe, teu Filho vai morrer. Mas tua fé, tão forte como a rocha já fortalece a Igreja por nascer!
Refrão: Santa Maria, Santa Maria, eis os filhos que são teus. Ó Mãe de Cristo, ó Mãe da Igreja nos conduzes até Deus.
2. Ao contemplares teu Filho no Calvário, Jesus te dá conforto e proteção. Hoje, também nós somos os teus filhos, reconcilia a todos como irmãos.
3. Ó Mãe querida o mundo desfalece, pois falta a fé que é luz no caminhar. Então pedimos: ouve nossa prece, dá-nos a luz que vem do teu olhar.
4. Lá no Calvário entregaste o teu Filho, e outro filho ocupa seu lugar. Igual a João, discípulo amado, compartilhamos teu amor sem par.
5. És a Rainha do Céu tão gloriosa, e acolhida no amor de Deus. Lança o olhar e vê tão compassiva, como te exaltam esses servos teus!
Natalino Ueda, escravo inútil de Jesus em Maria.
Links relacionados:
PADRE PAULO RICARDO. A necessidade da Virgem Maria.
PADRE PAULO RICARDO. São Luís de Montfort e o primado de Deus.
TODO DE MARIA. A consagração a Maria e a comunhão.
Referências:
1 PAPA JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Salvifici Doloris, 25.
2 Cf. idem, ibidem.
3 CLÉOFAS. Nossa Senhora, Mãe do que sofre.
4 PAPA JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptoris Mater, 23.
5 Idem, ibidem.
6 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem, 266.
7 Idem, ibidem.
8 Idem, 270.
9 PAPA JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Salvifici Doloris, 25.
10 Idem, 26.
11 Idem, ibidem.
12 Cf. PAPA JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Dominum et Vivificantem, 40.