A oração de Jesus e de Maria e o mistério da Anunciação

Meditemos sobre a oração de Jesus Cristo e a vida de oração da Virgem Maria antes e no momento da Anunciação do mistério da Encarnação.

A Santíssima Virgem exerce sua função maternal em sua vida e por sua vida.

Nosso Senhor foi mediador por seu sacrifício. Ele rezou porque devia essa homenagem a seu Pai; fez esse ato de dependência ainda que, gozando da visão beatífica[1], tivesse tudo o que podia desejar.

Meditemos sobre a oração de Jesus Cristo e a vida de oração da Virgem Maria antes e no momento da Anunciação do mistério da Encarnação.

Anunciação do Anjo a Virgem Maria.

Ele rezou também para nos ensinar a fazê-lo. Mas rezou sobretudo porque é a Cabeça do Corpo místico [de Cristo] e, como tal, trazia, para as reunir nesse mistério, todas as humanidades que lhe seriam ligadas pela graça, não importa a que grau. Ele estava sempre em estado de oração. Procurou por isso, em certos momentos, a solidão e o deserto, mesmo durante a vida pública. Ele rezou vocalmente ou interiormente. Quis realizar assim essa união das almas no Corpo místico: é a grande intenção que nos deixou, após a Ceia, na oração sacerdotal em que ele pede para nós essa união individual à divindade, nele e por ele, ao Pai, na unidade.

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A oração da Virgem Maria e a sua união com Deus

Como a Virgem rezou?

Nós poderíamos dizer de sua oração quase a mesma coisa que da [oração] de Nosso Senhor. A oração é um pedido, uma elevação de nossa alma para Deus. Mas, na Virgem, essa união a Deus é constante, mesmo sua atividade exterior não prejudica em nada sua união. Seria a expressão de uma necessidade? Mas ela encontrava tudo em sua união.

Entretanto, a Virgem rezou.

Ela rezou, também ela, para prestar a Deus sua homenagem de dependência, mas sobretudo ela rezou porque era mãe; mãe dos homens. A Virgem trazia uma graça imensa que a unia ao Verbo. Rezava para que essa graça de seu Filho passasse nas almas e se realizasse, para que seu reino viesse, para que se constituísse o Corpo místico [de Cristo].

Em que condições Maria rezou? Tinha necessidade de silêncio e o procurou? Sim, mas tinha menos necessidade dele do que nós. Sua união com Deus a afastava, quase que por si, dos ruídos e da agitação dos acontecimentos exteriores. Na Anunciação, a Virgem estava na solidão de Nazaré e, mais tarde, ela aí volta, longe do ruído. É uma lição para nós: devemos procurar a solidão e o silêncio para rezar.

Como a Virgem rezou?

Pela oração vocal, é muito provável, com todo o povo, no canto dos Salmos. Era um ato de submissão a Deus. Mas nós somos obrigados a ir mais longe para compreender sua oração: precisamos retornar a Nosso Senhor.

A oração de Jesus Cristo e a oração da Virgem Maria

O que é a oração de Nosso Senhor? Na solidão e na paz da oração, Nosso Senhor encontrava repouso: repouso dos sentidos, repouso das potências criadoras, da imaginação, da inteligência. Tudo se orientava para o interior, para o contato com a divindade. A imaginação se orientava para o centro da alma; a inteligência, para a luz no interior; a vontade tendia para a unção divina. A união hipostática[2] não era nesses momentos mais estreita, mas o apaziguamento da humanidade lhe fazia sentir mais profundamente a unção da divindade.

Toda proporção guardada, e sem a união hipostática, dá-se o mesmo na oração da Virgem.

Ela tinha a graça poderosa para envolver todos os seus sentidos. A Virgem estava num estado contínuo superior aos êxtases – durante os quais os sentidos e as faculdades são tomados e como suspensos – porque nela os sentidos e as faculdades suportavam sem fraqueza o domínio da misericórdia sobre sua alma. E, graças ao dom da integridade, ela não conhecia a agitação, nem a rebeldia, nem as contradições e sensabores que nós encontramos em nós como fruto da concupiscência. Não havia nela nem resistência, nem rudeza nas faculdades, como em nós: essa rudeza nos impede de receber a luz de Deus. Nossa alma tem necessidade de ser formada, dobrada pela unção divina. Na Virgem, tudo é perfeito, apaziguado, e a unção divina desce, penetra sem resistência. Ela está inundada de graça, sobressaturada de Deus, “cheia de graça!” (Lc 1, 28): a palavra do anjo é rigorosamente verdade.

Sua oração é, pois, seu recolhimento perpétuo em Deus, e, se ela faz oração, não há mais então nela senão uma vida: a vida da Trindade Santíssima, que age plenamente, a vida divina que se reflete nela como em um puro espelho, sem uma mancha que absorveria uma parcela de claridade, a tal ponto que, vendo-a aí, crer-se-ia ver Deus mesmo.

Seu estado de oração é um estado de união perfeita com Deus. Mais longe que sua graça, nós vemos nela a Santíssima Trindade. Encontramos aqui o comentário do que diz santa Teresa da oração: “comércio de amizade com Deus”[3]. Não disse a santa comércio de coração com Deus ou de inteligência, ou de vontade, não, o ser todo inteiro é que participa aí. Nós devemos tender a essa união completa com Deus; devemos, nós também, nos saturar de Deus. Cada um de nós terá sua forma própria de oração, mas o cume será sempre a união que se realizará na transformação de amor de que fala são João da Cruz[4].

Não creiamos que a oração da Virgem fique sem formas particulares. Há nela também diferentes modos de oração e de luz, e diferentes modos de expressão. Procuremos adivinhar [conjecturar] alguns desses modos nos diversos estados de sua vida.

A oração da Virgem de Nazaré antes da Anunciação

Antes da Anunciação, Maria é a filha de Deus que reza.

Certamente, ela não conhece sua maternidade divina. Ela sabe de sua graça, do tesouro que ela possui, da abundância dessa graça; mas ela se ignora, contudo, nesse sentido que ela não conhece a superioridade dessa graça sobre a graça ordinária e comum. A Virgem não está preocupada senão em se unir a Deus; é esse desapego de si, essa pureza, que permite a Deus se derramar nela. Ela o procura continuamente, vai procurá-lo no Templo, orienta-se para ele como uma criança para seu Pai. Não creiamos que a simplicidade comporte horizontes limitados.

Do ponto de vista humano, seguramente, Maria não procura satisfação para suas faculdades; não, ela se volta unicamente para Deus, praticando, em seus atos exteriores, aos quais a obriga essa simples orientação, a virtude da obediência de criança que faz o que lhe mandam, sem nada procurar além disso, sem mesmo se prender a seu trabalho.

Nós nos agitamos em nossas faculdades; Maria, não. Ela encontra esse apaziguamento na fé. Todo o resto lhe seria uma distração inútil, que a afastaria de seu contato com Deus. Esse contato, para ela, é muito simples, sem êxtases nem arrebatamentos, pois suas faculdades são muito dóceis para receber sem desfalecer o brilho e a unção da Divindade presente nela. O que importa efetivamente não é a força, mas a docilidade. Os fortes são obrigatoriamente quebrados; os dóceis dobram somente e resistem.

Na Virgem, simplicidade e doçura são perfeitas. Nada se exterioriza nela, “é tão simples que eu temo que não a conheçam”, dizia-se de santa Teresinha do Menino Jesus[5]. É o que se passa na Virgem nesse momento.

Também quão grande é a surpresa da Encarnação: como Deus pode vir procurar a ela, para sua obra tão bela?

A oração de Nossa Senhora e o mistério da Anunciação

A alma simples pode receber uma graça imensa sem se dar conta. Mais tarde somente, diante da realização a cumprir, a Virgem se lembrará de todas as graças que recebia e que a prepararam.

No momento mesmo em que o anjo lhe faz a grande revelação, uma luz interior a ilumina sobre si mesma. Vê-se a si mesma e a missão que ela recebe na mais perfeita humildade, pois tudo nela é dom de Deus, ela o sabe. De próprio, ela não tem senão pequenez e pobreza. É a verdade: ela foi concebida imaculada, não mereceu essa graça. E porque se vê na verdade, Maria pode ficar humilde sob os dons de Deus.

Também a Virgem se submete com uma grande simplicidade: reconheceu o anjo do Senhor, pois ela é pura e reta, tudo é luminoso nela. Submete-se num imenso ato de fé que cria nela as capacidades necessárias para receber o Verbo.

Para realizar a importância desse ato de fé, pensemos na Visitação, onde a chama que parte do Verbo na Virgem, que faz fremir João no seio de sua mãe e enche Isabel de luz, faz também jorrar o Magnificat. “Vós sois feliz porque crestes na palavra que vos foi dita” (Lc 1, 45). Na Anunciação, a ação do Verbo de Deus opera em Maria desde esse ato de fé, e ela torna-se Mãe de Deus. E porque seu Filho será Rei de um grande povo, ela será mãe desse povo.

Ela descobre então todos os mistérios, com sombras profundas que velam as realizações no tempo. Desde esse momento, debruçada sobre si mesma, a Virgem descobre nessa penumbra as maravilhas encerradas no seu seio. É o período mais belo. Foi assim que a contemplaram os profetas: Isaías anuncia “a Virgem que gera”; Elias descobre “a nuvem fecunda”[6]. A plenitude de Deus nunca será maior nela, por causa dessa habitação real, física do Verbo, que cria potências novas.

No estado elevado das almas transformadas, fala-se desses despertares do Verbo na alma[7]. Aqui, o Verbo não desaparece para reaparecer, ele está em sua casa. O ser todo inteiro da Virgem é atraído por ele. Todos os sentidos apaziguados se voltaram para ele e não existe para Maria senão uma realidade única: o Verbo de Deus nela.

Ela aí se lança com tanto maior vigor que fora, ao redor dela, o que há é a angústia: a angústia das suspeitas que nascem e que ela adivinha [conjectura, medita (cf. Lc 2, 19)]. Então ela se envolve toda de Deus, na espera da fé. São João da Cruz diz à alma cujas faculdades se agitam: “fazei um ato de fé vigorosa e lançai- vos em Deus obscuro”[8].

Que magnificência na Virgem que deve dar à luz! Aproximemo-nos dela; ela é, desde esse instante, mãe dos homens.

No pensamento de Deus, a Virgem está indissoluvelmente unida ao Verbo. Deus vira o Verbo presente em sua Mãe e, através de sua Mãe, o transbordamento de sua misericórdia sobre o mundo e sobre o Corpo místico [de Cristo]. Com toda a sua graça, a Santíssima Virgem realiza esse pensamento de Deus na oração e, sobretudo, quando o Verbo está nela; ela procura a união com o Verbo encarnado para realizar esse pensamento divino.

Continua no post seguinte: A oração de Maria do Natal ao Pentecostes.

Fonte: FREI MARIA-EUGÊNIO DO MENINO JESUS. Virgem Maria: Mãe em plenitude, p. 37-43.

Links relacionados:

TODO DE MARIA. A vida de oração e o apostolado.

TODO DE MARIA. A Virgem Maria, o coração que ama e reza!

TODO DE MARIA. Como nos concentrar na oração?

Referências:


[1]  Sobre a terra, nós não podemos conhecer o mistério de Deus Pai Filho, Espirito Santo e viver de sua presença, senão pela fé. Esta é certa, mas obscura, pois nossa inteligência não é adaptada a um conhecimento claro e imediato do mistério divino. No céu, Deus dá aos anjos e também ao homem após a morte um conhecimento sobrenatural imediato de si mesmo que permite vê-lo face a face tal como ele é, e também de contemplar as maravilhas da graça que ele opera na criação. A teologia chama “visão beatífica” este conhecimento imediato e amoroso de Deus que nos estabelece numa plenitude eterna.

Para poder preencher sua missão redentora Jesus possuía já, durante sua vida terrestre a visão beatífica. Ele gozava dela de uma maneira misteriosa, embora ficando capaz de conhecer a agonia do Getsemani, de sofrer e de morrer por nós (cf. Santo Tomás, Suma Teológica, IIIa, q 10).

[2]  Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. 0 Filho de Deus, segunda Pessoa da Santíssima Trindade, uniu-se natureza humana, ficando de natureza divina. Para exprimir este mistério, a teologia emprega a expressão de união de união hipostática, ou de união segundo a Pessoa (em grego, hypostasis). Realizada no momento da Encarnação, essa união é doravante indissolúvel, isto é, permanente e definitiva.

[3]  Cf. Livro da Vida, cap. 8,5, Paulus São Paulo, 10.ª edição, 2007.

[4]  Cf., em particular, Chama Viva de Amor, canção l e sua explicação, Obras Completas, Vozes, Petrópolis 1984.

[5]  Cf. O Espírito de Santa Teresinha do Menino Jesus, segunda parte, cap. II, 6.ª edição, Paulus, São Paulo, 2007.

[6]  Cf. ls 7,14 e 1Rs 18,41-46. Todas as citações bíblicas são tiradas da Bíblia de Jerusalém. (N.do T).

[7]  Cf. Chama Viva de Amor, canção IV, op. cit.

[8]  Veroque o frei Maria Eugenio diz a este propósito, seguindo São João da Cruz, em Je veux voir Dieu, 4.ª parte, cap.6, em particular a nota 25, 9.ª edição, Éditions du Carmel, Venasque, 1998.

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