Consagrado a Maria aos pés da cruz de Cristo

A consagração a Virgem Maria é um ato de particular entrega que nasceu aos pés da cruz de Jesus Cristo.

Aos pés da cruz, nasce a entrega total, a consagração, ou escravidão de amor, a Jesus Cristo e a Virgem Maria. Aos espíritos orgulhosos de nosso tempo, isto pode parecer algo fora da realidade, um grande absurdo, um exagero sem igual, e talvez muitos possam achar até mesmo loucura de nossa parte. No entanto, convido-vos a refletir com sinceridade a respeito do tema da consagração e a tirar suas próprias conclusões.

A consagração a Virgem Maria é um ato de particular entrega que nasceu aos pés da cruz de Jesus Cristo.

A Virgem Maria e o Discípulo amado aos pés da cruz de Jesus Cristo

Neste Ano da Misericórdia, no qual providencialmente a celebração da Paixão de Jesus Cristo acontece dia 25 de Março, no qual normalmente celebraríamos a Anunciação do Senhor, transferida para o dia 4 de Abril, torna-se muito significativo meditar sobre a profunda ligação da consagração com o mistério da Encarnação do Verbo e o mistério Pascal de Cristo. Esta íntima relação entre estes, que são os dois maiores mistérios da salvação da humanidade, nos ajuda a compreender melhor a profundidade e a necessidade da consagração a Jesus por Maria.

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A consagração da Virgem Maria no mistério da Encarnação do Verbo

São Luís Maria Grignion de Montfort ensina que: “Em Maria e por Maria é que o Filho de Deus se fez homem para nossa salvação. Deus Espírito Santo formou Jesus Cristo em Maria, mas só depois de lhe ter pedido consentimento”1. A resposta da Santíssima Virgem foi uma entrega sem reservas aos desígnios de Deus: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Para compreender a profundidade desta entrega, o texto original em grego nos ajuda, pois, no lugar de “serva”, traz a palavra δούλη (doulé), que significa escrava. Dessa forma, compreendemos que, desde a Encarnação do Verbo, a Virgem Maria consagrou-se inteiramente, se fez escrava de Jesus Cristo.

São Luís Maria também diz que há um vínculo profundo entre o mistério da Encarnação e o da Redenção: “A conduta das três pessoas da Santíssima Trindade, na encarnação e primeira vinda de Jesus Cristo, é a mesma de todos os dias, de um modo visível, na Igreja, e esse procedimento há de perdurar até a consumação dos séculos, na última vinda de Cristo”2. Em vista disso, há também uma ligação entre o mistério da Encarnação e a consagração, que é o meio escolhido por Deus para nos salvar. Este vínculo entre Encarnação do Verbo e a consagração a Maria é tão importante que o Santo ensina os consagrados a ter uma especial devoção a este Mistério:

Terão uma devoção especial pelo mistério da Encarnação do Verbo, a 25 de março, que é o mistério adequado a esta devoção, pois que esta devoção foi inspirada pelo Espírito Santo:

1º para honrar e imitar a dependência em que Deus Filho quis estar de Maria, para glória de Deus seu Pai e para nossa salvação; dependência que transparece particularmente neste mistério em que Jesus se torna cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, aí dependendo dela em tudo;

2º para agradecer a Deus as graças incomparáveis que concedeu a Maria, principalmente por tê-la escolhido para sua Mãe digníssima, escolha feita neste mistério. São estes os dois fins principais da escravização a Jesus Cristo em Maria3.

Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo com o tema “Consagrados da Virgem, consagrados na Cruz”:

A consagração da Virgem Maria aos pés da Cruz de Cristo

São Luís Maria ensina que Jesus Cristo comunicou a sua Mãe Santíssima tudo que adquiriu por sua vida e morte: seus méritos infinitos e suas virtudes admiráveis. Fez de Nossa Senhora a tesoureira de tudo que o Pai lhe deu por herança; “é por ela que ele aplica seus méritos aos membros do corpo místico, que comunica suas virtudes, e distribui suas graças; é ela o canal misterioso, o aqueduto, pelo qual passam abundante e docemente suas misericórdias”4.

Jesus Cristo concede todas essas graças e virtudes a nós através da maternidade espiritual confiada a Virgem das Dores: “Mulher, eis aí teu filho” (Jo 19, 26). Se no mistério da Encarnação foi a Virgem de Nazaré quem se consagrou ao Filho Altíssimo, no mistério Pascal foi o Crucificado que consagrou a sua Mãe ao Discípulo amado, que somos todos e cada um de nós. No mistério da Encarnação, a Santíssima Virgem gerou Jesus Cristo, o Verbo de Deus. No mistério Pascal, a Mãe da Igreja gera a cada um de nós seus filhos, servos e escravos. Dessa forma, nos tornamos filhos da Virgem Maria, da sua descendência, e irmãos em Jesus Cristo.

A Virgem Santíssima une não somente estes dois grandes e mais importantes dos mistérios de seu Filho Jesus Cristo, mas também dois acontecimentos aparentemente opostos: a criação e o fim dos tempos. Na criação, depois do pecado de nossos primeiros pais, a Virgem Maria aparece como aquela “Mulher” enigmática, cuja descendência esmagará a cabeça da Serpente (cf. Gn 3, 15). No fim dos tempos, que são os nossos, Nossa Senhora é profetizada como aquela “Mulher vestida de sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas” (Ap 12, 1). A primitiva Serpente, que agora se tornara um grande Dragão vermelho, tentou matar a Mulher, mas não conseguiu (cf. Ap 12, 1-17) e, por isso, “se irritou contra a Mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência” (Ap 12, 17), que somos todos e cada um de nós, filhos, servos e escravos da Virgem Maria.

A consagração como acolhimento do amor materno da Santíssima Virgem

No Calvário, a maternidade da Virgem Maria, que se torna herança do homem, é um dom que o próprio Cristo faz a cada um de nós pessoalmente: “Eis aí tua mãe” (Jo 19, 27). “Aos pés da Cruz teve o seu início aquela especial entrega do homem à Mãe de Cristo, que ao longo da história da Igreja foi posta em prática e expressa de diversas maneiras”5. Pelo sacramento do Batismo, todos nós católicos nos tornamos filhos de Deus, irmãos de Cristo e filhos de Maria. Algumas pessoas, de modo particular, tem uma especial devoção a um título de Nossa Senhora. Outras, participam das congregações e das confrarias marianas. Por fim, há aquelas pessoas que se consagram a Santíssima Virgem como escravas de amor6.

A respeito da consagração, particularmente eloquente é a atitude do Discípulo amado: “E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa” (Jo 19, 27). A princípio, esta afirmação quer dizer, certamente, que ao discípulo foi atribuído o papel de filho e que ele tomou sob seus cuidados a Mãe do Mestre que amava. Uma vez que a Virgem Maria foi dada pessoalmente a ele como mãe, a afirmação indica, embora indiretamente, tudo o que diz repeito a relação íntima de um filho com a mãe. Tudo isso pode resumir-se na palavra “entrega”. Esta entrega total de si mesmo é a resposta ao amor de uma mãe.

A respeito dessa consagração, dessa entrega total de si mesmo a Mãe de Deus, São Luís Maria exclama:

Oh! quão feliz é o homem que tudo deu a Maria e que nela confia em tudo e por tudo. Ele é todo de Maria e Maria é toda dele. Pode dizer afoitamente com David: “Haec facta est mihi: Maria foi feita para mim” (Sl 118, 56); ou com o discípulo amado: “Accepi eam in mea” (Jo 19, 27) – Eu a tomei como toda a minha riqueza; ou com o próprio Jesus Cristo: “Omnia mea tua sunt, et omnia tua mea sunt: Todas as minhas coisas são tuas, e as tuas são minhas” (Jo 17, 10)7.

Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo com o tema “Empregados ou escravos?”:

A consagração como resposta ao amor de Jesus e de Maria

Portanto, a consagração da Santíssima Virgem como escrava do Senhor (cf. Lc 1, 38) tem uma profunda e íntima ligação com a salvação realizada por seu Filho Jesus Cristo no Calvário. Pois, aos pés da cruz, aquela que se fez escrava de Jesus é agora dada por Ele, na pessoa do Discípulo amado, a cada um de nós em particular. São João não dá nome ao Discípulo (cf. Jo 19, 26), que segundo a Tradição é ele mesmo, para que, ao ler esta passagem, coloquemos o nosso nome no lugar. Desse modo, compreendemos que a Mãe da Igreja foi consagrada a cada um de nós em particular.

Se esta entrega da Virgem Maria nos deixa perplexos, o que diremos então da entrega radical de seu Filho Jesus Cristo que, por amor a nós, “aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo” (Fl 2, 7). Estas palavras de São Paulo, o Apóstolo dos gentios, podem parecer exageradas, mas os próprios atos do Senhor confirmam a sua veracidade. Na última ceia, Jesus pegou uma toalha, cingiu-se com ela, “deitou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido” (Jo 13, 5). Na cultura judaica, quem lavava os pés dos convidados era sempre o escravo. Isso é tão verdadeiro que São Pedro negou-se a ter os pés lavados pelo Mestre: “Jamais me lavarás os pés!” Para convencê-lo, Jesus teve que ser duro com ele: “Se eu não tos lavar, não terás parte comigo” (Jo 13, 8).

Depois de lavar os pés dos apóstolos, inclusive de Judas Iscariotes, o Senhor disse: “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Logo, se eu, vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros” (Jo 13, 13-14). Este lavar os pés uns dos outros significa um aniquilamento, um fazer-nos escravos, a exemplo de Jesus. Ora, se Ele nos manda fazer-nos escravos uns dos outros, muito mais nós deveremos ser escravos de Jesus Cristo e da Virgem Maria. Pois, eles se consagraram inteiramente aos desígnios do Altíssimo por amor a cada um de nós em particular. Dessa forma, compreendemos que nos consagrar e Jesus e a Maria não é mais que uma obrigação. No entanto, quando nos fazemos livremente escravos por amor, mais nos configuramos a Mãe e ao Filho. Que a Virgem Maria nos ajude a compreender e a realizar este misterioso ato de entrega total a ela e a Jesus Cristo. Nossa Senhora das Dores, rogai por nós!

Natalino Ueda, escravo de Jesus em Maria.

Links relacionados:

TODO DE MARIA. A consagração a Maria e a comunhão.

TODO DE MARIA. A consagração e os três inimigos da alma.

TODO DE MARIA. As práticas da consagração a Nossa Senhora.

Referências:

1 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem, 16.

2 Idem, 22.

3 Idem, 243.

4 Idem, 24.

5 PAPA JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptoris Mater, 45.

6 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Op. cit., 68

7 Idem, 179.

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