Por que a Virgem Maria glorifica a Deus?

Meditemos sobre as razões de a Virgem Maria glorificar a Deus com um trecho do comentário de São João Eudes ao Magnificat.

No final de sua vida, São João Eudes terminou sua obra sobre o Coração admirável da Santíssima Virgem Maria, na qual nos deixou seu comentário ao Magnificat, também conhecido como o Cântico de Maria, no qual ela glorifica a Deus, seu Senhor e Salvador.

Fundador da Congregação de Jesus e de Maria, atualmente conhecida pelo nome de Congregação dos Eudistas, São João Eudes consagrou sua vida a suscitar e desenvolver a devoção aos dois Corações que abraçava no mesmo amor, o do Filho de Deus e o de sua Bem-aventurada Mãe, tão estreitamente unidos no mistério da Encarnação.

Meditemos sobre as razões de a Virgem Maria glorificar a Deus com um trecho do comentário de São João Eudes ao Magnificat.

A visitação da Virgem Maria à sua prima Santa Isabel.

O comentário de São João Eudes ao Magnificat foi extraído do capítulo 10 da obra intitulada “O Coração admirável da sacratíssima Mãe de Deus”, que trata detalhadamente das razões de ser da devoção ao Coração de Maria. O capítulo em questão foi terminado algumas semanas antes de sua morte. “Hoje, vinte e cinco de julho de 1660, escreve ele, Deus me fez a graça de terminar o meu livro”, com sentimentos de uma paz profunda e de uma confiança sem limites na misericórdia de Jesus e de Maria.

Magnificat anim mea DominumA minha alma glorifica ao Senhor” (Lc 1, 46).

Esse primeiro versículo contém quatro palavras apenas, mas cheias de grandes mistérios; consideremo-las atentamente e com espírito de humildade, respeito e piedade, para que nos animemos a glorificar a Deus com a Bem-aventurada Virgem, pelas grandes e maravilhosas coisas que operou nela, por ela, para ela e também para nós.

A minha alma glorifica o Senhor: observai que a Bem-aventurada Virgem não diz “Eu glorifico”, mas “Minha alma glorifica o Senhor”, para demonstrar que ela O glorifica do mais íntimo do seu coração e em toda a extensão de suas potências interiores. Não O glorifica somente com os lábios e a língua, mas emprega todas as faculdades de sua alma, o entendimento, a memória, a vontade e todas as potências das partes superior e inferior de sua alma.

E não O glorifica somente em seu nome particular, nem para satisfazer às infinitas obrigações que tem de fazê-lo por motivo dos inconcebíveis favores que recebeu de sua divina bondade; mas glorifica-O em nome de todas as criaturas e por todas as graças que Ele concebeu a todos os homens, fazendo-Se homem para deificá-los e para salvar a todos, se quiserem corresponder aos desígnios do inconcebível amor que tem por eles.

A minha alma glorifica o Senhor: qual é esta alma que a Bem-aventurada Virgem chama a sua alma? Respondo, em primeiro lugar, que acho num grande autor, o Cardeal Marcos Vigier, a opinião de que essa alma da Bem-aventurada Virgem é o seu Filho Jesus, que é a alma de sua alma.

Em segundo lugar, respondo que essas palavras, anima mea, compreendem primeiro, a alma própria e natural que anima o corpo da sagrada Virgem; segundo, a alma do divino Menino que Ela traz no seio, alma unida tão estreitamente à sua que ambas formam, de certo modo, uma só alma, pois a Criança que se acha em suas entranhas materiais é um só com a sua Mãe. Terceiro, que essas palavras, anima mea, assinalam e compreendem todas as almas criadas à imagem e semelhança de Deus, que existiram, existem e existirão em todo o universo. Pois, se São Paulo nos assegura que o Pai eterno “nos deu, com seu Filho, todas as coisas”, é evidente que, dando-O à sua divina Mãe, deu-lhe também todas as coisas. Razão pela qual todas as almas lhe pertencem. E como a Virgem não ignora, e conhece também perfeitamente a sua obrigação de utilizar tudo quanto Deus lhe deu para honrá-lO e glorificá-lO, quando pronuncia as palavras “A minha alma glorifica o Senhor”, considerando todas as almas que existiram, existem e existirão como almas que lhe pertencem, ela a todas abrange para uni-las à alma de seu Filho e à sua, e para empregá-las no louvor, exaltação e glorificação d’Aquele que desceu do Céu e Se encarnou em seu seio virginal para operar a grande obra da Redenção.

A minha alma glorifica o Senhor: qual é este Senhor? É o Senhor dos senhores, e o Senhor soberano e universal do céu e da terra. Este Senhor é o Pai eterno, este Senhor é o Filho, este Senhor é o Espírito Santo, três Pessoas divinas que são um só Deus e Senhor, e que têm uma só e mesma essência, poder, sabedoria, bondade e majestade. A Santíssima Virgem louva e glorifica o Pai eterno por havê-la associado a Si em sua divina paternidade, tomando-a Mãe do mesmo Filho de quem é o Pai. Ela glorifica o Filho de Deus por ter sido de sua vontade escolhê-la por Mãe e ser o seu verdadeiro Filho. Glorifica o Espírito Santo, por ter querido realizar nela a maior de suas obras, isto é, o mistério adorável da Encarnação. Ela glorifica o Pai, o Filho e o Espírito Santo pelas infinitas graças que fizeram e têm o desígnio de fazer a todo o gênero humano[1].

Assista ou ouça ao programa do Padre Paulo Ricardo sobre “O cântico de Nossa Senhora”:

Et exultavit spritus meus in Deo salutari meo – E meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador” (Lc 1, 47).

Essas divinas palavras, pronunciadas pelos sagrados lábios da Mãe do Salvador, nos declaram a alegria inefável e incompreensível que lhe encheu e santamente lhe inebriou o coração, o espírito e a alma, com todas as suas faculdades, no momento da Encarnação do Filho de Deus e enquanto O levou em suas benditas entranhas; e até por todo o resto de sua vida, segundo Santo Alberto Magno e alguns outros Doutores. Alegria que foi tão excessiva, especialmente no momento da Encarnação que, assim como a sua santa alma separou-se do corpo no último instante de sua vida, pela força de seu amor a Deus e pela abundância de sua alegria ao ver-se prestes a ter com o seu Filho no céu; ela teria também morrido de alegria em vista das indescritíveis bondades de Deus para com ela e para com todo o gênero humano, se a vida não lhe fosse conservada por milagre. Pois se a história nos afirma que a alegria causou a morte de muitas pessoas, em razão de algumas vantagens temporais que lhes haviam sucedido, é bem para crer-se que a divina Virgem teria morrido também se não fora sustentada pela virtude do divino Menino que trazia em seu seio, visto que ela possuía os maiores motivos de alegria que jamais existiram e existirão. Pois

1. – Ela se rejubilava em Deus, in Deo, isto é, porque Deus é infinitamente poderoso, sábio, bom justo e misericordioso, e porque faz resplandecer, de maneira tão admirável, o seu poder, a sua bondade e todos os outros divinos atributos, no mistério da Encarnação e da Redenção do mundo.

2. – Rejubilava-se em Deus seu Salvador, por ter vindo a este mundo, para salvá-lo e remi-lo, em primeiro lugar e principalmente, preservando-a do pecado original e cumulando-a de suas graças e favores, com tanta plenitude que a tornou, consigo, a Medianeira e cooperadora na salvação de todos os homens.

3. – Seu coração achava-se cumulado de alegria porque Deus a contemplara com os olhos de sua benignidade, isto é, amara e aprovara a humildade de sua serva, na qual achou singularíssima satisfação e complacência. É esta, diz S. Agostinho, a causa da alegria de Maria, porque Ele olhou a humildade de sua serva; como se ela dissesse: Rejubilo-me com a graça que Deus me fez, porque dEle recebi o motivo desta alegria; e nEle me rejubilo, porque amo os seus dons por seu amor.

4. – Rejubilava-se pelas grandes coisas que a sua onipotente bondade nela operara, que são as maiores maravilhas de quantas Ele jamais fez em todos os séculos passados e fará em todos os séculos vindouros.

5. – Rejubilava-se, não só pelos favores que recebera de Deus, mas também pelas graças e misericórdias por Ele derramadas sobre todos os homens que se dispõem a recebê-las.

6. – Rejubilava-se não só com a bondade de Deus em relação aos que não lhe opõem obstáculo, mas também com os efeitos de sua justiça sobre os soberbos, que Lhe desprezam as liberalidades[2].

Links relacionados:

CULTOR DE LIVROS. Magnificat, o cântico de Maria.
TODO DE MARIA. A visitação da Virgem Maria e a santificação.
TODO DE MARIA. A Visitação de Maria, Medianeira das Graças.

Referências:


[1]  SÃO JOÃO EUDES. O Magnificat, p. 9-11.
[2]  Idem, p. 12-14.

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